São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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"Poder público nunca esteve à altura de SP"

Para o jornalista Gilberto Dimenstein, a cidade "mais interessante do país" é também "um exemplo magnífico de incompetência"

Em sabatina, colunista da Folha diz também que desafio de melhorar a educação é semelhante ao fim da escravidão

DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo é a cidade mais interessante do país, apesar de o poder público não estar à sua altura, avalia o jornalista Gilberto Dimenstein, idealizador da ONG Cidade Escola Aprendiz e colunista da Folha.
De um lado, afirma, há uma metrópole repleta de oportunidades. Do outro, políticos a veem apenas como trampolim.
Em sabatina da Folha na segunda-feira, o jornalista disse também que o desafio de melhorar a educação pública é semelhante ao fim da escravidão.
"De cada cem alunos que saem do ensino médio em São Paulo, apenas 5% sabem ler e escrever apropriadamente. Dá para imaginar uma fábrica de automóveis com esse índice?", questionou. "É uma tragédia."
Dimenstein contou também que até hoje não sabe se é jornalista ("o crítico") ou educador ("o otimista"). E disse não aceitar cargos públicos por ter deficit de atenção. "Imagina trocar o nome do presidente?"
Abaixo, trechos da sabatina do jornalista, que respondeu a perguntas de Rogério Gentile (editor de Cotidiano), Hélio Schwartsman (articulista da Folha), Marcos Augusto Gonçalves (editorialista da Folha) e Gustavo Ioschpe (economista e articulista da revista "Veja").
Autor dos livros "Meninas da Noite" e "O Mistério das Bolas de Gude", Dimenstein, 53, respondeu também a questões da plateia, composta por 203 pessoas, no Teatro Folha.

 


Poder público de SP
O poder público nunca esteve à altura da cidade de São Paulo. Não é só esse prefeito [Gilberto Kassab, do DEM].
Aqui, o cara se elege principal vereador de São Paulo e, na semana seguinte, já está pensando ser deputado federal.
São Paulo é um exemplo magnífico de incompetência. As marginais, que poderiam ser parques, viraram marginais. Tiraram bondes, não fizeram metrô. São Paulo chegou a um ponto que cemitério virou vista. Aqui, vista é quando não tem uma coisa na frente.
Ao mesmo tempo, São Paulo é a cidade mais interessante do Brasil. Existe uma coordenação entre sonhar e fazer. Todo o mundo tem um projeto. Veja a revolução na baixa Augusta [centro]. Em poucos lugares do mundo há tantas tribos juntas.


Ampliação das marginais
O [governador] Serra tem uma série de qualidades. Mas a marginal é um exemplo de como alguém pode ser obtuso numa cidade. Gastar R$ 2 bilhões numa rua que fechará de carros em dois anos, é gastar à toa.


Pedágio urbano
Eu colocaria amanhã. Limita os carros na rua e arruma dinheiro para o transporte público. Cedo ou tarde, será preciso brigar com a classe média.


País melhor
Não estou na idade de ser ingênuo. Existem carências, corrupção. Qualquer um que entre numa escola pública ou num hospital vê isso. Mas nunca vi o Brasil tão bem. É fruto de uma série de governos e de ações da sociedade. A minha geração viveu grande parte do tempo com regime militar, inflação alta, baixo crescimento, instabilidade política e econômica. Hoje há um pouco de crescimento, inflação baixa e estabilidade.
Sou de um tempo que empresário não discutia assunto social. Hoje, pessoas importantes da indústria, do serviço, dizem: Percebemos que sem uma sociedade civilizada, do ponto de vista educacional e social, não nos garantimos nem como empresários, devido à baixa produtividade, nem como indivíduo, devido aos sequestros.
E vejo mais preocupação dos empresários com a educação pública do que sindicatos, como CUT, Força Sindical.


FHC x Lula
Acho ridícula essa discussão. Temos 16 anos do mesmo governo. O Lula é a continuação do Fernando Henrique, algumas vezes até melhorada.
O grupos que criticam a imprensa, especialmente os do PT, estão incomodados com a fiscalização que a imprensa faz.


Defesa de parcerias público-privadas na educação
Seria ótimo que uma entidade social ou um empresário pudesse fazer gestão de escolas, recebendo uma cota do Estado.


Escolas em dificuldades
Mesmo a melhor escola privada está com dificuldades. As crianças vivem no mundo interativo, de redes sociais, do GPS. Não noto a escola como um centro de curiosidade. É um problema mundial. Temos uma geração com muita velocidade e pouca capacidade de aprofundar. É só falar com as empresas.


Mercado de trabalho
Para trainee numa grande empresa, são 3.000 candidatos por vaga. Mesmo assim, às vezes não se consegue preencher todas, porque as pessoas não estão preparadas para o teste.
Fiquem aterrorizados: a pessoa está na melhor escola, gastando fortunas com psicopedagogo, aula particular, e talvez não entre no mercado de trabalho. As escolas estão muito distantes do mercado de trabalho.


Importância de faculdades de baixa qualidade
Tenho sentimentos confusos diante disso. A melhor resposta seria: prende, arrebenta, fecha. Ao mesmo tempo, vejo tanta gente que melhorou pelo menos um pouco por ter feito uma faculdade de administração, de direito. Às vezes serviu como uma espécie de reforço do segundo grau. Temos de apoiar essas escolas. Quando for um caso gravíssimo, fecha.


Educação paulista
O PSDB está no governo há tanto tempo, cada um fez coisas diferentes. É um fracasso do partido não ter colocado uma política unificada.
Em que pese uma série de avanços, como o professor ganhar por mérito. Há pouco estímulo para a pessoa dar aula na escola pública.


Problema da imprensa
A gente aprende desde a faculdade que a boa notícia é a má notícia. Isso é muito bom, mas, ao mesmo tempo, a imprensa não desenvolve a mesma capacidade de descobrir coisas que funcionam. Os leitores querem saber quem é uma pessoa legal, quem é o ministro legal.


Quem é legal?
Tem várias pessoas. A gestão do ministro Fernando Haddad na Educação é boa. No ano passado tive o prazer de ver a aprovação da ampliação da obrigatoriedade escolar, aumento de recursos para a creche.


Futuro do jornalismo
Tem informação hoje de tudo que é lado, de celular, de internet. Se o jornalista não souber contextualizar tudo isso, o leitor abandonará o jornal.


Agradecimento
A pessoa a que eu mais devo profissionalmente é Otavio Frias Filho [diretor de Redação]. Não teve uma maluquice que eu propusesse que a Folha não pagasse para eu ser maluco. Estou em dívida.


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