São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Milícias se igualam ao tráfico em terror

Assassinatos de consumidores de drogas, ameaças de expulsão de moradores e extorsão são métodos usados para impor controle

Relatos de pessoas das comunidades mostram que a sensação de insegurança não diminui após a entrada de grupos em favelas

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Para uma parcela não desprezível da sociedade carioca, as milícias formadas por policiais e ex-policiais são vistas como um mal menor quando comparadas ao tráfico de drogas. Porém, moradores de comunidades controladas por esses grupos, sob a condição do anonimato, relatam que essa visão não é unânime.
Há quem defenda os grupos, mas os depoimentos de vários deles mostram que, na prática, o terror apenas mudou de mãos, e o medo é o mesmo.
"Lá dentro, nós nos calamos. Vários moradores não concordam com o que eles fazem porque a gente acha que só o dono da vida deveria tirar a vida de alguém. Há famílias que têm a infelicidade de ter um filho viciado. Mas, para eles [milicianos], dependência química não é doença. Eles dão um aviso para a família sair de lá, dão um segundo e, no terceiro, a gente já sabe o que vai acontecer. Já teve menino de 13 anos que apareceu assassinado aqui por causa disso", diz uma moradora de Rio das Pedras (zona oeste), primeira grande comunidade a ter milícias atuando.
Para ela, o clima aparentemente mais tranqüilo da comunidade -em Rio das Pedras não há traficantes ostensivamente armados circulando pelas ruas- não compensa a atuação das milícias, formadas, geralmente, por ex-policiais que contariam com maior tolerância da polícia.
"É uma humilhação do mesmo jeito. Esse é um serviço que as autoridades deveriam fazer. Não tem cabimento eu pagar R$ 5 todo mês por algo [segurança] que é um direito nosso. Se for comerciante, eles cobram até R$ 50 por semana. Em cada lugar daqui, só pode entrar uma empresa de gás. Eu não posso escolher o gás mais barato", conta a moradora.
No Piscinão de Ramos, a lei do silêncio e o medo continuam. "A gente não pode dizer se está bom ou ruim, certo ou errado. Em uns termos é bom, em outros dá no mesmo. É bom que o tráfico acabou. Olha lá, heim, moço? Vão me matar! Quero viver mais 50 anos!", disse um comerciante, relatando que a milícia cobra R$ 20 por mês dos vendedores.
Duas mulheres responderam a mesma coisa, diante da abordagem do repórter. "Não quero responder, sou neutra." Um senhor, vendedor, também mostrou-se assustado. "Não sei de nada dessas coisas, só do meu trabalho. Nome não dou não, é tanta pesquisa, estou correndo de pesquisa. Tem que ficar cabreiro, a gente não sabe o que pode acontecer", disse.
No caso de Rio das Pedras, a comunidade cresceu sob o controle das milícias, que até estimularam a especulação imobiliária ao explorar a venda de imóveis construídos em cima de casas estabelecidas.
"A gente não sabe a quem se reportar, não sabe mais quem é polícia ou quem é traficante. Outro dia, mataram com cinco tiros um aqui só porque estava alcoolizado. Se o tráfico era ruim, a milícia também é", diz um morador da favela Marcílio Dias, na Penha (zona norte).
Sensação parecida relata um morador da favela Jardim Novo Realengo, em Realengo (zona oeste do Rio): "A gente continua inseguro. Ainda tem muita gente andando armada e volta e meia aparece um carro roubado lá. E se eu me desentender com um vizinho, pode aparecer um para resolver a situação do jeito deles".
Um morador do morro do Fubá, em Cascadura (zona norte), no entanto, defende a atuação das milícias por lá: "A situação ficou mais tranqüila. Não tem mais traficante na rua e a gente pode usar roupa de qualquer cor, não tem mais aquilo de não poder usar vermelho [por causa do Comando Vermelho], por exemplo."
O lado ruim da atuação deles no Fubá, conta esse morador, é a interferência em brigas domésticas. "Eles não se metem com você, mas se você está em casa e começa a brigar feio com a mulher, por exemplo, eles entram na casa para acabar com a briga", diz o morador.


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