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Milícias se igualam ao tráfico em terror
Assassinatos de consumidores de drogas, ameaças de expulsão de moradores e extorsão são métodos usados para impor controle
Relatos de pessoas das comunidades mostram que a sensação de insegurança não diminui após a entrada de grupos em favelas
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Para uma parcela não desprezível da sociedade carioca,
as milícias formadas por policiais e ex-policiais são vistas como um mal menor quando
comparadas ao tráfico de drogas. Porém, moradores de comunidades controladas por esses grupos, sob a condição do
anonimato, relatam que essa
visão não é unânime.
Há quem defenda os grupos,
mas os depoimentos de vários
deles mostram que, na prática,
o terror apenas mudou de
mãos, e o medo é o mesmo.
"Lá dentro, nós nos calamos.
Vários moradores não concordam com o que eles fazem porque a gente acha que só o dono
da vida deveria tirar a vida de
alguém. Há famílias que têm a
infelicidade de ter um filho viciado. Mas, para eles [milicianos], dependência química não
é doença. Eles dão um aviso para a família sair de lá, dão um
segundo e, no terceiro, a gente
já sabe o que vai acontecer. Já
teve menino de 13 anos que
apareceu assassinado aqui por
causa disso", diz uma moradora
de Rio das Pedras (zona oeste),
primeira grande comunidade a
ter milícias atuando.
Para ela, o clima aparentemente mais tranqüilo da comunidade -em Rio das Pedras não
há traficantes ostensivamente
armados circulando pelas
ruas- não compensa a atuação
das milícias, formadas, geralmente, por ex-policiais que
contariam com maior tolerância da polícia.
"É uma humilhação do mesmo jeito. Esse é um serviço que
as autoridades deveriam fazer.
Não tem cabimento eu pagar
R$ 5 todo mês por algo [segurança] que é um direito nosso.
Se for comerciante, eles cobram até R$ 50 por semana.
Em cada lugar daqui, só pode
entrar uma empresa de gás. Eu
não posso escolher o gás mais
barato", conta a moradora.
No Piscinão de Ramos, a lei
do silêncio e o medo continuam. "A gente não pode dizer
se está bom ou ruim, certo ou
errado. Em uns termos é bom,
em outros dá no mesmo. É bom
que o tráfico acabou. Olha lá,
heim, moço? Vão me matar!
Quero viver mais 50 anos!", disse um comerciante, relatando
que a milícia cobra R$ 20 por
mês dos vendedores.
Duas mulheres responderam
a mesma coisa, diante da abordagem do repórter. "Não quero
responder, sou neutra." Um senhor, vendedor, também mostrou-se assustado. "Não sei de
nada dessas coisas, só do meu
trabalho. Nome não dou não, é
tanta pesquisa, estou correndo
de pesquisa. Tem que ficar cabreiro, a gente não sabe o que
pode acontecer", disse.
No caso de Rio das Pedras, a
comunidade cresceu sob o controle das milícias, que até estimularam a especulação imobiliária ao explorar a venda de
imóveis construídos em cima
de casas estabelecidas.
"A gente não sabe a quem se
reportar, não sabe mais quem é
polícia ou quem é traficante.
Outro dia, mataram com cinco
tiros um aqui só porque estava
alcoolizado. Se o tráfico era
ruim, a milícia também é", diz
um morador da favela Marcílio
Dias, na Penha (zona norte).
Sensação parecida relata um
morador da favela Jardim Novo Realengo, em Realengo (zona oeste do Rio): "A gente continua inseguro. Ainda tem muita gente andando armada e volta e meia aparece um carro roubado lá. E se eu me desentender
com um vizinho, pode aparecer
um para resolver a situação do
jeito deles".
Um morador do morro do
Fubá, em Cascadura (zona norte), no entanto, defende a atuação das milícias por lá: "A situação ficou mais tranqüila. Não
tem mais traficante na rua e a
gente pode usar roupa de qualquer cor, não tem mais aquilo
de não poder usar vermelho
[por causa do Comando Vermelho], por exemplo."
O lado ruim da atuação deles
no Fubá, conta esse morador, é
a interferência em brigas domésticas. "Eles não se metem
com você, mas se você está em
casa e começa a brigar feio com
a mulher, por exemplo, eles entram na casa para acabar com a
briga", diz o morador.
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