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SOLIDARIEDADE
Em 44 postos pelo país, 2.127 pessoas se revezam para ouvir potenciais suicidas e tentar dissuadi-los
Voluntários do CVV ouvem 1 milhão por ano
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
"CVV, boa noite."
Essa frase -que poderá ter sido
"CVV, bom dia" ou "CVV, boa
tarde" - foi repetida quase um
milhão de vezes no ano passado.
Ela saiu da boca dos mais de
2.000 voluntários do Centro de
Valorização da Vida, programa
de prevenção do suicídio em funcionamento desde 1962 e que hoje
possui 44 postos de atendimento
em todo o país, 11 deles só na
Grande São Paulo.
O atendimento é gratuito e todos os que lá trabalham são voluntários.
No ano de 2000 ocorreram exatamente 928.983 atendimentos a
pessoas desesperadas, 3% a mais
do que no ano anterior (901.646).
"Mas, como os voluntários diminuíram de 2.300 para 2.127, teríamos certamente atendido a mais
de 1 milhão de pessoas desesperadas em 2000", afirma o advogado
Arthur, 63, voluntário há 23 anos
e coordenador da regional São
Paulo do CVV.
Nesta reportagem os voluntários serão tratados sempre pelo
primeiro nome, para evitar que se
repitam problemas ocorridos no
passado, quando usuários do programa conseguiram o telefone
particular de voluntários e estes
perderam a privacidade.
Arthur é casado com Marilu, 63,
ex-professora e voluntária como
o marido. Assim como todos os
demais colaboradores do CVV,
eles dão plantões de quatro horas
semanais, atendendo a telefonemas no posto do Jabaquara.
Arthur faz as contas e revela
que, como atende 24 horas por
dia todos os dias da semana, o
centro recebe um telefonema a
cada 35 segundos. Cotejando esse
número com o de voluntários em
atividade, chega-se a 436 atendimentos anuais por pessoa. Seria
como se cada voluntário conversasse, todos os dias do ano, com
um suicida em potencial.
Esse é o objetivo básico do CVV:
valorizar a vida, evitar que pessoas desesperadas, sozinhas, e
que chegaram ao ponto de achar
que a vida não vale a pena.
Para conseguir esse intento
-ou pelo menos tentar- o CVV
baseia-se nos preceitos do psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902-1987), autor de clássicos como "Tornar-se Pessoa" e
cujo pensamento dita, grosso modo, que deve-se crer sempre na
capacidade de crescimento do outro e haver confiança nisso.
A aceitação do outro deve ser
absoluta, assim como o respeito e
a compreensão. "Esses são os pilares do CVV", afirma Arthur.
Para atender a esses requisitos e,
ao mesmo tempo, lidar com situações tensas e difíceis, todos os
voluntários do centro recebem
treinamento (12 horas de teoria e
30 de estágio prático), além de
cursos periódicos de reciclagem.
Para não cair na tentação de dar
conselhos, por exemplo, ou ostentar uma avaliação moral ou
preconceituosa diante do problema relatado.
"Se o voluntário emite um julgamento, faz uma crítica, a relação de confiança está rompida. O
segredo é saber ouvir, aceitar os
sentimentos de quem está falando", diz Arthur.
Tampouco é possível oferecer
soluções a todos os problemas
apresentados, ou seria o caso de se
trabalhar apenas com especialistas em Aids, câncer, drogas etc.
O que se busca, portanto, é pôr
em prática o que é chamado no
centro de "Triângulo das Bermudas", no qual o perigo do suicídio
deve desaparecer.
Esse triângulo tem num dos vértices o indivíduo, seu nome, ocupação, status social etc.
No outro vértice está o seu problema, que poderá ser de saúde,
de família, de personalidade, de
drogas etc.
No terceiro encontra-se a pessoa, que engloba seus sentimentos em geral e aquele sentimento
em particular que o levou a ligar
para o CVV.
"O indivíduo que liga pode navegar por qualquer um desses
vértices, mas o voluntário deve
procurar fugir dos dois primeiros
e conduzir a conversa sempre em
direção ao terceiro, aos sentimentos da pessoa", afirma Arthur.
Trabalhar com esses sentimentos, em geral tão profundos, é a
maneira mais eficaz de ajudar a
pessoa desesperada, conforme relata Marilu:
"Eu devo compreender intensamente o sentimento do outro. O
que ele está sentindo, o problema
que está vivendo naquele momento é para ele tão desagradável
que ele tem todo o direito de ficar
desesperado e, por causa disso,
decidir procurar ajuda. O fato de
eu estar disponível para oferecer
essa ajuda é alguma coisa extremamente gratificante, o sentimento mais importante que se
pode ter numa situação como essa", afirma a voluntária.
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