São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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SOLIDARIEDADE

Em 44 postos pelo país, 2.127 pessoas se revezam para ouvir potenciais suicidas e tentar dissuadi-los

Voluntários do CVV ouvem 1 milhão por ano

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

"CVV, boa noite."
Essa frase -que poderá ter sido "CVV, bom dia" ou "CVV, boa tarde" - foi repetida quase um milhão de vezes no ano passado.
Ela saiu da boca dos mais de 2.000 voluntários do Centro de Valorização da Vida, programa de prevenção do suicídio em funcionamento desde 1962 e que hoje possui 44 postos de atendimento em todo o país, 11 deles só na Grande São Paulo.
O atendimento é gratuito e todos os que lá trabalham são voluntários.
No ano de 2000 ocorreram exatamente 928.983 atendimentos a pessoas desesperadas, 3% a mais do que no ano anterior (901.646). "Mas, como os voluntários diminuíram de 2.300 para 2.127, teríamos certamente atendido a mais de 1 milhão de pessoas desesperadas em 2000", afirma o advogado Arthur, 63, voluntário há 23 anos e coordenador da regional São Paulo do CVV.
Nesta reportagem os voluntários serão tratados sempre pelo primeiro nome, para evitar que se repitam problemas ocorridos no passado, quando usuários do programa conseguiram o telefone particular de voluntários e estes perderam a privacidade.
Arthur é casado com Marilu, 63, ex-professora e voluntária como o marido. Assim como todos os demais colaboradores do CVV, eles dão plantões de quatro horas semanais, atendendo a telefonemas no posto do Jabaquara.
Arthur faz as contas e revela que, como atende 24 horas por dia todos os dias da semana, o centro recebe um telefonema a cada 35 segundos. Cotejando esse número com o de voluntários em atividade, chega-se a 436 atendimentos anuais por pessoa. Seria como se cada voluntário conversasse, todos os dias do ano, com um suicida em potencial.
Esse é o objetivo básico do CVV: valorizar a vida, evitar que pessoas desesperadas, sozinhas, e que chegaram ao ponto de achar que a vida não vale a pena.
Para conseguir esse intento -ou pelo menos tentar- o CVV baseia-se nos preceitos do psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902-1987), autor de clássicos como "Tornar-se Pessoa" e cujo pensamento dita, grosso modo, que deve-se crer sempre na capacidade de crescimento do outro e haver confiança nisso.
A aceitação do outro deve ser absoluta, assim como o respeito e a compreensão. "Esses são os pilares do CVV", afirma Arthur.
Para atender a esses requisitos e, ao mesmo tempo, lidar com situações tensas e difíceis, todos os voluntários do centro recebem treinamento (12 horas de teoria e 30 de estágio prático), além de cursos periódicos de reciclagem.
Para não cair na tentação de dar conselhos, por exemplo, ou ostentar uma avaliação moral ou preconceituosa diante do problema relatado.
"Se o voluntário emite um julgamento, faz uma crítica, a relação de confiança está rompida. O segredo é saber ouvir, aceitar os sentimentos de quem está falando", diz Arthur.
Tampouco é possível oferecer soluções a todos os problemas apresentados, ou seria o caso de se trabalhar apenas com especialistas em Aids, câncer, drogas etc.
O que se busca, portanto, é pôr em prática o que é chamado no centro de "Triângulo das Bermudas", no qual o perigo do suicídio deve desaparecer.
Esse triângulo tem num dos vértices o indivíduo, seu nome, ocupação, status social etc.
No outro vértice está o seu problema, que poderá ser de saúde, de família, de personalidade, de drogas etc.
No terceiro encontra-se a pessoa, que engloba seus sentimentos em geral e aquele sentimento em particular que o levou a ligar para o CVV.
"O indivíduo que liga pode navegar por qualquer um desses vértices, mas o voluntário deve procurar fugir dos dois primeiros e conduzir a conversa sempre em direção ao terceiro, aos sentimentos da pessoa", afirma Arthur.
Trabalhar com esses sentimentos, em geral tão profundos, é a maneira mais eficaz de ajudar a pessoa desesperada, conforme relata Marilu:
"Eu devo compreender intensamente o sentimento do outro. O que ele está sentindo, o problema que está vivendo naquele momento é para ele tão desagradável que ele tem todo o direito de ficar desesperado e, por causa disso, decidir procurar ajuda. O fato de eu estar disponível para oferecer essa ajuda é alguma coisa extremamente gratificante, o sentimento mais importante que se pode ter numa situação como essa", afirma a voluntária.


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