UOL


São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Perigosa liberdade

Uma das coisas que mais se quer na vida é ser independente e livre, o que significa não precisar nunca de ninguém para nada.
É claro que é sempre bom ganhar o seu próprio dinheiro para não depender da mesada do pai ou do marido; a partir dos 16 (oito, para os mais precoces), todos queremos ser donos dos nossos próprios narizes -com razão-, pois, por mais cruel e injusto que seja, quem assina o cheque é quem manda.
Quem manda escolhe onde quer morar, como vai decorar a casa, para onde viaja, em que colégio vai botar os filhos, que programa de televisão vai assistir -o famoso poder do controle remoto-, o CD que vão ouvir. O mundo deveria ser mais democrático? Deveria, respondemos todos em coro. Só que não é, e como se dizia antigamente, manda quem pode, obedece quem tem juízo. A expressão saiu de moda só para fingir que as coisas mudaram.
Aí você se prepara para ser autônoma, no trabalho e na vida pessoal. Não tem patrão, o que significa que faz seus próprios horários, e dependendo da profissão pode até escolher trabalhar nos fins de semana e ficar de pernas para o ar de segunda a sexta; tem liberdade maior? Além disso, se desliga das turmas; quem tem turma não é livre.
De desligamento em desligamento, não almoça na casa da mãe nos domingos, não liga para Natal nem para o Dia das Mães, e quando os filhos partem para a vida também não têm a obrigação de almoçar com ela, o que, aliás, é uma benção: filhos em casa nos feriados significa a obrigação de ir para o fogão. Obrigação, esse horror.
Pelas mesmas razões, quem é obcecada pela tal da liberdade não tem cachorro nem gato; como faz uma pessoa com um bicho em casa, quando o que quer é pegar a estrada no dia e na hora em que der na telha? Também não deve ter empregada fixa para não criar vínculos de amizade inevitáveis, que obrigam a perguntar se arranjou colégio para o filho e se a obra da casa ficou pronta -e ajudar, claro. Ser livre é não ter que prestar contas da vida a ninguém, ser dona do seu espaço e do seu tempo, não depender de ninguém e não ter quem dependa dela sob nenhum aspecto, nem financeiro nem afetivo.
Só que tudo tem seu preço, e de liberdade em liberdade ela vai se isolando.
O telefone toca cada vez menos -bem como ela queria-, a correspondência vai rareando e até aqueles convites para lançamento de livros e exposições de pintura que tanto a irritavam não chegam mais. É aquela velha história: ninguém quer ser esquecida, mas não tão completamente assim; mas, se começar a aceitar convites, vai ter que retribuir, olha o problema. TER QUE, o maior pesadelo de uma pessoa que sempre colocou a liberdade como o bem supremo a ser conquistado.
Ela conquistou, só que às vezes se sente só e se pergunta: se eu pudesse apertar um botão mágico, onde gostaria de estar nesse momento, e com quem?
Não precisa nem pensar para responder: exatamente como está, onde está, ali mesmo, e sozinha. Mas não seria isso a felicidade plena?
Não tem coragem de ir mais fundo, responde para ela mesma que "mais ou menos", muda de assunto e liga a televisão.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

Texto Anterior: Outro lado: Para MEC, mudanças darão agilidade a sistema
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.