|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUERRA URBANA/ANÁLISE
Para Henrique Nelson Calandra, há cem anos a população não olha para seus presídios
De acordo com ele, divulgar a relação dos 79 nomes de suspeitos mortos poderia expor a população a
mais intranqüilidades
Divulgar lista é prematuro, diz desembargador do TJ
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
Henrique Nelson Calandra,
60, desembargador do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo,
afirma que a divulgação neste
momento da lista com os nomes de 79 suspeitos mortos pela polícia paulista, após os ataques do PCC, seria prematura e
poderia trazer mais intranqüilidade para a população.
Em entrevista à Folha, ele
defende a posição adotada pelo
governo estadual, que não quer
divulgar a listagem até a conclusão das investigações. Leia
trechos abaixo.
FOLHA - A lista de suspeitos mortos
pela polícia deve ser divulgada neste momento?
HENRIQUE NELSON CALANDRA - Há
um clima de intranqüilidade no
seio da população. A lista só viria incrementar essa intranqüilidade, sem proveito algum.
Quase a totalidade dos óbitos
ocorridos a partir de 14 de
maio, que eu chamo de maio
sangrento, é de conhecimento
das famílias dos falecidos. É importante nós mostrarmos para
o público externo, para fora do
país, que o Brasil está preocupado em preservar direitos humanos. Só que mais importante
é darmos uma atenção especial
às famílias das pessoas que faleceram em todo o episódio, sejam elas policiais, civis ou servidores públicos. Depois, a polícia deve esclarecer a circunstância em que essas mortes
ocorreram e apontar em que pé
estão as investigações para punir culpados.
FOLHA - Mas e para o restante da
população? Não seria importante
divulgar a lista para que não pairem
suspeitas de execuções pela polícia?
CALANDRA - A lista de pessoas
falecidas é pública no IML e será publicada em cartório. Peritos da OAB estão acompanhando as necrópsias desde o dia em
que começaram. Agora, não pode o governo chegar a agir como
no episódio da Casa de Detenção, onde houve 111 mortos.
Eles deveriam ter apresentado
os responsáveis. Mas disseram
que não sabiam. Isso só gera
um clima de absoluta intranqüilidade.
FOLHA - O senhor defende que em
cada caso seja apurada a responsabilidade pela morte?
CALANDRA - Venho de um período no país que foi muito nebuloso (regime militar), quando ocorreram violações muito
sérias aos direitos humanos.
Toda morte tem que ser investigada. Se foi um combate entre
policiais e marginais e se o policial agiu no estrito cumprimento do dever legal. O governo não
pode simplesmente apresentar
o nome dos falecidos sem falar
quais foram as circunstâncias e
sem apurar as responsabilidades.
FOLHA - Entre os 79 mortos pela
polícia agora divulgados pelo governo, pode haver inocentes?
CALANDRA - Não posso julgar os
mortos, dizendo se é inocente
ou não. Flamínio Fávero (ex-professor legista da USP) dizia
que os cadáveres falam, pela
trajetória do tiro, calibre da bala. Há todas as condições de saber, por exemplo, se a pessoa
pôde reagir ou não. Numa corporação com mais de 100 mil
policiais pode ter havido condutas que não sejam pautadas
pelo estrito cumprimento do
dever legal.
FOLHA - A polícia de São Paulo agiu
corretamente durante os ataques
do PCC? A PF (Polícia Federal) devia
ter interferido?
CALANDRA - As polícias Civil e
Militar de São Paulo têm efetivos equivalentes a muitos
Exércitos de países que nos cercam. Têm inteira competência
para operar. A Polícia Federal
pode ajudar para situações que
envolvem outros Estados e países. Uma intervenção seria desnecessária.
FOLHA - O PCC cresceu dentro dos
presídios paulistas nos últimos 13
anos. Houve falha do governo estadual?
CALANDRA - Há 100 anos a população brasileira não olha para seus presídios, que se tornaram depósitos de seres humanos com pouca ou nenhuma
chance de recuperação. Direitos humanos são violados. As
penas no Brasil acabam desacreditadas. Um juiz aplica uma
pena de 200 anos de cadeia e o
réu, seis anos depois, vai para a
rua, sem estar preparado para
reingressar na sociedade. A pena se torna uma pena de mentira. E isso produziu a violência.
A Apamagis (Associação Paulista de Magistrados) está constituindo um grupo para estudar
uma proposta de alteração na
lei penal. Tem de dar uma pena
mais curta, mas que o preso
efetivamente cumpra.
Texto Anterior: Administração: Empresa suspende demissão de 120 garis até 6 de junho Próximo Texto: Guerra urbana/Análise: Ocultar lista viola direito à informação, diz Bicudo Índice
|