São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006

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GUERRA URBANA/ANÁLISE

Para Henrique Nelson Calandra, há cem anos a população não olha para seus presídios

De acordo com ele, divulgar a relação dos 79 nomes de suspeitos mortos poderia expor a população a mais intranqüilidades


Divulgar lista é prematuro, diz desembargador do TJ

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Henrique Nelson Calandra, 60, desembargador do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo, afirma que a divulgação neste momento da lista com os nomes de 79 suspeitos mortos pela polícia paulista, após os ataques do PCC, seria prematura e poderia trazer mais intranqüilidade para a população. Em entrevista à Folha, ele defende a posição adotada pelo governo estadual, que não quer divulgar a listagem até a conclusão das investigações. Leia trechos abaixo.

 

FOLHA - A lista de suspeitos mortos pela polícia deve ser divulgada neste momento?
HENRIQUE NELSON CALANDRA -
Há um clima de intranqüilidade no seio da população. A lista só viria incrementar essa intranqüilidade, sem proveito algum. Quase a totalidade dos óbitos ocorridos a partir de 14 de maio, que eu chamo de maio sangrento, é de conhecimento das famílias dos falecidos. É importante nós mostrarmos para o público externo, para fora do país, que o Brasil está preocupado em preservar direitos humanos. Só que mais importante é darmos uma atenção especial às famílias das pessoas que faleceram em todo o episódio, sejam elas policiais, civis ou servidores públicos. Depois, a polícia deve esclarecer a circunstância em que essas mortes ocorreram e apontar em que pé estão as investigações para punir culpados.

FOLHA - Mas e para o restante da população? Não seria importante divulgar a lista para que não pairem suspeitas de execuções pela polícia?
CALANDRA -
A lista de pessoas falecidas é pública no IML e será publicada em cartório. Peritos da OAB estão acompanhando as necrópsias desde o dia em que começaram. Agora, não pode o governo chegar a agir como no episódio da Casa de Detenção, onde houve 111 mortos. Eles deveriam ter apresentado os responsáveis. Mas disseram que não sabiam. Isso só gera um clima de absoluta intranqüilidade.

FOLHA - O senhor defende que em cada caso seja apurada a responsabilidade pela morte?
CALANDRA -
Venho de um período no país que foi muito nebuloso (regime militar), quando ocorreram violações muito sérias aos direitos humanos. Toda morte tem que ser investigada. Se foi um combate entre policiais e marginais e se o policial agiu no estrito cumprimento do dever legal. O governo não pode simplesmente apresentar o nome dos falecidos sem falar quais foram as circunstâncias e sem apurar as responsabilidades.

FOLHA - Entre os 79 mortos pela polícia agora divulgados pelo governo, pode haver inocentes?
CALANDRA -
Não posso julgar os mortos, dizendo se é inocente ou não. Flamínio Fávero (ex-professor legista da USP) dizia que os cadáveres falam, pela trajetória do tiro, calibre da bala. Há todas as condições de saber, por exemplo, se a pessoa pôde reagir ou não. Numa corporação com mais de 100 mil policiais pode ter havido condutas que não sejam pautadas pelo estrito cumprimento do dever legal.

FOLHA - A polícia de São Paulo agiu corretamente durante os ataques do PCC? A PF (Polícia Federal) devia ter interferido?
CALANDRA -
As polícias Civil e Militar de São Paulo têm efetivos equivalentes a muitos Exércitos de países que nos cercam. Têm inteira competência para operar. A Polícia Federal pode ajudar para situações que envolvem outros Estados e países. Uma intervenção seria desnecessária.

FOLHA - O PCC cresceu dentro dos presídios paulistas nos últimos 13 anos. Houve falha do governo estadual?
CALANDRA -
Há 100 anos a população brasileira não olha para seus presídios, que se tornaram depósitos de seres humanos com pouca ou nenhuma chance de recuperação. Direitos humanos são violados. As penas no Brasil acabam desacreditadas. Um juiz aplica uma pena de 200 anos de cadeia e o réu, seis anos depois, vai para a rua, sem estar preparado para reingressar na sociedade. A pena se torna uma pena de mentira. E isso produziu a violência.
A Apamagis (Associação Paulista de Magistrados) está constituindo um grupo para estudar uma proposta de alteração na lei penal. Tem de dar uma pena mais curta, mas que o preso efetivamente cumpra.


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