São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

A indústria de talentos

Apesar de estar na fase de testes, o buscador virtual já chamou a atenção do Ministério da Educação

UM SOFTWARE LIVRE vem sendo construído há dois anos por estudantes de pós-graduação da Fundação Vanzolini, ligada à Escola Politécnica, da USP. O programa vai permitir a identificação, em cada bairro, das oportunidades de aprendizado. É uma espécie de GPS educativo.
Seu objetivo é localizar os cursos profissionalizantes de instituições como o Senai, o Senac e o Centro Paula Souza, passando pela lista de filmes, peças teatrais, concertos, palestras, exposições, até oficinas de origami, aulas para formação de DJs e clínicas de saúde física e mental.
Isso significa, por exemplo, que um pai vai poder encontrar, na rede pública, alguém para tratar seu filho com hiperatividade ou distúrbio de atenção, e um professor vai poder encaminhar um aluno a centros especializados em tratamento para dependentes de drogas.
Como o foco são especialmente atividades gratuitas ou de preços populares, o software será exibido, na próxima quarta-feira, ainda numa versão em teste, numa escola estadual de São Paulo, escolhida para mostrar como alunos, pais e professores poderiam descobrir e usar conexões, com baixo ou até nenhum custo. Por falta de informação, não se usa boa parte da riqueza cultural gratuita da cidade. Se esse buscador virtual conseguirá ganhar escala, é cedo para saber.
Mas, apesar de estar na fase de testes, essa invenção já chamou a atenção do Ministério da Educação, interessado em disseminá-la nacionalmente por achar que, se cada escola aproveitar o que existe em seu entorno, os alunos terão mais chance de se desenvolverem. Esse é apenas um microscópico exemplo do poder do que se convencionou chamar de indústria criativa, apontada como um dos principais motores da economia -é algo tão importante que os ingleses decidiram criar um ministério apenas para incentivar esse segmento. No Brasil, pelo menos por enquanto, é conversa de um punhado de especialistas.

 

Na indústria criativa, o capital intelectual é o principal componente de produção e distribuição de bens e serviços que envolvam, especialmente, imagens, textos e informações. É uma ampla lista que inclui animação digital, videojogos, livros, filmes, arte folclórica, moda, design, radiodifusão, serviços de arquitetura e publicidade.
Boa parte dessas atividades existe há muito tempo, mas as tecnologias de informação abriram-lhe novas possibilidades -é algo que vemos quando fazemos qualquer busca usando o Google ou ao baixar uma música ou filme pela internet.
Nesta semana, a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) apresenta, durante um seminário sobre como estimular a indústria criativa, estimativa de que, no Brasil, esse segmento já movimentaria algo como 16% do PIB, cerca de R$ 380 bilhões. A média salarial do segmento é de R$ 2.100 mensais, quase o dobro da média nacional.
 

Há uma série de questões envolvidas no desenvolvimento dessa indústria no Brasil, como estímulos fiscais, abertura do mercado internacional, melhoria na escolaridade e recursos para a inovação. Os países têm investido cada vez mais em parques tecnológicos, misturando centros de pesquisa, universidades, empresas e agências governamentais.
Em essência, porém, o maior desafio é nutrir e atrair talentos. Saem na frente as cidades que ofereçam mais possibilidades profissionais, educacionais, culturais e até de lazer. Por estranho que pareça, tanto quanto a Virada Cultural, a Parada Gay, que ocorre neste domingo em São Paulo, por revelar o apreço à diversidade, é um monumental atrativo para os talentos que, em geral, gostam de lugares agitados, com serviços 24 horas. Em geral, para os inquietos, empreendedores, aqueles que sentem o prazer do novo, é tão importante contar com bons hospitais e escolas como dispor de diversidade cultural e até de uma boêmia de qualidade. Não é à toa que Nova York e Londres são as cidades de referência para os talentos mundiais.
 

O maior obstáculo brasileiro para o desenvolvimento dessa indústria, entretanto, é a conhecida incapacidade do sistema público de produzir talentos. Até mesmo na rede privada de ensino são escassos os laboratórios para realizar experimentações e descobrir vocações. Daí o significado de aquela invenção dos universitários da Fundação Vanzolini, ligada à Poli, ser apresentada numa escola pública. A idéia é ajudar a transformar o conhecimento de uma cidade, a começar do bairro, em riqueza.
 

PS - É uma pena que não saia do papel a proposta de criar um parque tecnológico voltado aos serviços na cidade de São Paulo, associado à USP -eis um bom assunto para a sucessão municipal. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) textos para quem deseje conhecer mais a indústria criativa.

gdimen@uol.com.br

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