São Paulo, Terça-feira, 25 de Maio de 1999
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Fragmentos de diálogos amorosos pós-modernos

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Algumas dessas histórias são verdadeiras. As outras também o são.
Cena 1: três amigos, um homem e duas mulheres, almoçam num restaurante:
-Até a semana passada, eu quis tanto ter um namorado, desejei tanto que enjoei. Agora estou com nojo de homens. Eu recusaria qualquer homem que me quisesse hoje. Não quiseram namorar comigo? Não querem? Tudo bem. Então não queiram, porque agora quem não quer sou eu. Danem-se -uma amiga relatou, calma, resignada, engolindo uma garfada de comida.
-Vocês não acreditam -o amigo contou minutos depois-, eu ando chorando feito um bobo. Olha, faz muito tempo que eu não me via assim apaixonado. Outro dia, fui pôr gasolina e fiquei chorando no carro, o frentista olhando, perguntou se eu precisava de um médico. Eu quase disse: meu amigo, eu estou apaixonado por uma dona aí, mas sou casado, não consigo me separar da minha mulher, dos filhos...
Cena 2: duas amigas conversam sobre uma terceira:
-Descobri que é verdade. Eles sempre tiveram um caso.
-Você está brincando! Não acredito. Mas e o marido dela? Será que ele nunca soube?
-Dizem que ele sabe, mas ninguém entende por que não faz nada. Afinal ele conhece o cara, se vêem e tudo.
-Que sangue frio, hein?
-O que eu acho mais incrível é a postura de sonsa dela. Nunca comentou nada com a gente, aquela esperta.
-E eu tenho é inveja dela, apesar de detestar a falsidade. Mas com homem tem que fazer isso, ter dois ao mesmo tempo. Quem sabe eles aprendem.
Cena 3: a mulher acordou com a macaca, a vida toda revirada, e marcou urgente consulta com um terapeuta.
-Doutor, eu vim aqui porque tem na minha vida duas pessoas me querendo como amante. Uma delas é um homem. Ele quer ficar comigo, namorar, dormir, mas contanto que eu saiba que ele também namora e dorme com outra. A segunda pessoa é uma mulher, que diz que me ama também, quer namorar etc., mas que não passaria as noites comigo, porque vive com outra mulher.
(Doutor diz pausadamente uma besteira qualquer.)
-Não, doutor, o meu problema não é que um seja homem e o outro, mulher. Para mim, isso é secundário. O que me deprime é ambos me quererem apenas como amante. Por acaso eu nasci com uma faixa na testa, onde esteja escrito "amante"? Então. Eu vim aqui para o senhor dizer que não.
(Doutor pergunta se ela não acha que tem, ela própria, que dizer isso a si mesma.)
-Pois é, mas eu não estou conseguindo, por isso eu vim aqui. Porque eu preciso que alguém me diga: não, olha, você é uma pessoa legal, você merece mais do que isso. Por que você tem que engolir sua solidão em benefício deles? Cai fora. Você não tem que se submeter, que ser pós-moderna. Você merece namorar como todo mundo, alguém que queira ficar com você direito...
(Psicólogo diz que esse conflito não é pós-moderno, é antigo nela e na história amorosa do mundo todo. Paciente chora. Blecaute. Fim.)

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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