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Fragmentos de diálogos amorosos pós-modernos
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Algumas dessas histórias são
verdadeiras. As outras também
o são.
Cena 1: três amigos, um homem e duas mulheres, almoçam num restaurante:
-Até a semana passada, eu
quis tanto ter um namorado,
desejei tanto que enjoei. Agora
estou com nojo de homens. Eu
recusaria qualquer homem que
me quisesse hoje. Não quiseram namorar comigo? Não
querem? Tudo bem. Então não
queiram, porque agora quem
não quer sou eu. Danem-se
-uma amiga relatou, calma,
resignada, engolindo uma garfada de comida.
-Vocês não acreditam -o
amigo contou minutos depois-, eu ando chorando feito
um bobo. Olha, faz muito tempo que eu não me via assim
apaixonado. Outro dia, fui pôr
gasolina e fiquei chorando no
carro, o frentista olhando, perguntou se eu precisava de um
médico. Eu quase disse: meu
amigo, eu estou apaixonado
por uma dona aí, mas sou casado, não consigo me separar da
minha mulher, dos filhos...
Cena 2: duas amigas conversam sobre uma terceira:
-Descobri que é verdade.
Eles sempre tiveram um caso.
-Você está brincando! Não
acredito. Mas e o marido dela?
Será que ele nunca soube?
-Dizem que ele sabe, mas
ninguém entende por que não
faz nada. Afinal ele conhece o
cara, se vêem e tudo.
-Que sangue frio, hein?
-O que eu acho mais incrível
é a postura de sonsa dela. Nunca comentou nada com a gente,
aquela esperta.
-E eu tenho é inveja dela,
apesar de detestar a falsidade.
Mas com homem tem que fazer
isso, ter dois ao mesmo tempo.
Quem sabe eles aprendem.
Cena 3: a mulher acordou
com a macaca, a vida toda revirada, e marcou urgente consulta com um terapeuta.
-Doutor, eu vim aqui porque tem na minha vida duas
pessoas me querendo como
amante. Uma delas é um homem. Ele quer ficar comigo,
namorar, dormir, mas contanto que eu saiba que ele também
namora e dorme com outra. A
segunda pessoa é uma mulher,
que diz que me ama também,
quer namorar etc., mas que
não passaria as noites comigo,
porque vive com outra mulher.
(Doutor diz pausadamente
uma besteira qualquer.)
-Não, doutor, o meu problema não é que um seja homem e
o outro, mulher. Para mim, isso
é secundário. O que me deprime é ambos me quererem apenas como amante. Por acaso eu
nasci com uma faixa na testa,
onde esteja escrito "amante"?
Então. Eu vim aqui para o senhor dizer que não.
(Doutor pergunta se ela não
acha que tem, ela própria, que
dizer isso a si mesma.)
-Pois é, mas eu não estou
conseguindo, por isso eu vim
aqui. Porque eu preciso que alguém me diga: não, olha, você é
uma pessoa legal, você merece
mais do que isso. Por que você
tem que engolir sua solidão em
benefício deles? Cai fora. Você
não tem que se submeter, que
ser pós-moderna. Você merece
namorar como todo mundo,
alguém que queira ficar com
você direito...
(Psicólogo diz que esse conflito não é pós-moderno, é antigo
nela e na história amorosa do
mundo todo. Paciente chora.
Blecaute. Fim.)
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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