São Paulo, Terça-feira, 25 de Maio de 1999
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CONTAMINAÇÃO
Ministro da Saúde alega não ter agido com precipitação ao anunciar ocorrência do sangue contaminado
Serra defende divulgação urgente dos riscos

Daniel Guimarães/Folha Imagem
O ministro José Serra, que recusa o sigilo em relação à saúde pública


DANIELA FALCÃO
em São Paulo

Dez dias após ter anunciado a possibilidade de que pelo menos duas pessoas tivessem sido infectadas pelo vírus causador da Aids por meio de plasma contaminado e outras 16 pelo da hepatite B, o ministro José Serra (Saúde) diz ter certeza de que não foi precipitado.
"A divulgação poderia causar apreensão e trazer inconveniências. Mas o pior seria a falta de transparência e de firmeza na atuação do governo. É impossível você ter uma atuação eficaz clandestina nesse caso", disse em entrevista à Folha.
Na quinta-feira, auditoria do Ministério da Saúde descartou a possibilidade de alguém ter contraído Aids por causa do plasma infectado, que havia sido enviado por engano pelo Hemocentro da Bahia ao Hemope (Hemocentro de Pernambuco).
O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), acusou Serra de sensacionalismo e de espalhar pânico sem necessidade, já que o Hemope havia descartado o plasma infectado antes de ser transformado em albumina.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O sr. acha que valeu à pena expor o problema antes de ter certeza de que alguém havia sido contaminado?
José Serra -
Valeu à pena não, era necessário. Isso acabaria chegando de maneira distorcida aos meios de comunicação. E aí, seria pior.
Folha - Para evitar pânico, não teria sido possível esperar e divulgar o problema com a certeza de que ninguém foi infectado pelo HIV?
Serra -
A posteriori sempre é mais fácil emitir uma conclusão sobre como deveria ter sido. Mas uma coisa para mim está clara: o problema iria chegar à imprensa naqueles dias e de maneira muito distorcida. Não havia escolha.
Não cabe sigilo em questões de saúde como cabe, por exemplo, o sigilo bancário.
Folha - O sr. foi surpreendido pela denúncia de contaminação?
Serra -
O caso de Pernambuco não é um caso isolado e não constituiu surpresa porque eu me dei conta dessas deficiências assim que cheguei ao ministério. Tanto é que, desde a gestão do ex-ministro Adib Jatene, temos intensificado as ações na área do sangue.
Folha - De quem é a culpa pelo plasma contaminado?
Serra -
O grande erro foi a não-notificação do problema. Você sempre vai coletar sangue contaminado. A importância do trabalho de análise e fiscalização vem daí. Na Bahia, eles misturaram na mesma geladeira plasma sadio e plasma contaminado, que deveria ter sido descartado como manda a lei, mas foi enviado por engano ao Hemocentro de Pernambuco.
Lá, foi constatada a contaminação e o plasma foi descartado. Mas nenhum dos dois hemocentros comunicou o fato ao Ministério da Saúde. Isso é inexplicável.
Folha - A responsabilidade do controle da qualidade do sangue é dos Estados ou da União?
Serra -
A União tem um papel suplementar, deve atuar onde há deficiência na ação dos Estados e municípios, que, por lei, são os responsáveis por esse trabalho. Eu não estou me furtando a interferir para resolver os problemas, mas é interessante observar que a responsabilidade é dos Estados.
A deficiência de ação e a falta de recursos para a saúde não acontece só na esfera federal. Também ocorre nos Estados e municípios, que se acomodam com a responsabilização da esfera federal.
Mas não vamos fazer jogo de empurra com uma questão como o sangue. Vamos atuar onde eles não cumprem sua obrigação, ao mesmo tempo que cobraremos mais eficiência. Não dá só para cobrar e não fazer nada.
Folha - Os governadores têm reclamado que está havendo recentralização da saúde, o que fere o princípio de descentralização do SUS. O sr. concorda?
Serra -
Realmente há queixas, mas mantenho minha posição. Nos reajustes do SUS que aconteceram neste ano, nós reforçamos as vinculações, obrigando o investimento em determinadas áreas, coisa que os Estados não gostam.
A ação executiva de saúde no Brasil é de Estados e municípios, com recursos repassados pelo governo federal. O que estava acontecendo é que muitos Estados, vivendo apertos financeiros, estavam transferindo dinheiro da compra de remédios, por exemplo, para outras despesas. E aí você tinha pessoas desesperadas sem acesso aos remédios.
O que nós estamos fazendo com a vinculação é estabelecer que o dinheiro que é repassado para a compra de medicamentos tem de ser gasto em medicamentos. Essa medida nós vamos manter, não tenha a menor dúvida
Quando vinculamos recursos eles dizem que é centralização. Quando acontece um problema de saúde que é da esfera deles e que eles repassam comodamente diante da opinião pública para a esfera federal, chamam de transferência de responsabilidades. Não estou dizendo que todos fazem assim, mas há essa tendência.
Folha - O que o sr. acha da decisão do Ministério Público paulista de proibir atendimento diferenciado nos hospitais públicos?
Serra -
Ainda não sei se o atendimento de pacientes da rede privada pelo Hospital das Clínicas era ilegal. Mandei a consultoria do ministério analisar isso, mas ainda não obtive resposta. Deixando os aspectos legais de lado, a decisão pode perturbar muito o sistema de saúde e prejudicar a oferta de bons serviços no âmbito do SUS.
O atendimento a pacientes privados era limitado a 20% dos leitos, mas respondia por parcela muito maior da arrecadação, ajudando a manter um bom serviço público.
Folha - O Ministério da Saúde vai interferir nessa questão?
Serra -
O ex-ministro Adib Jatene me telefonou para falar disso e respondi que, se houver um problema legal, vamos ajudar nessa parte. Agora, eu não defendo essa forma de atendimento como padrão. Ela tem de ser circunscrita aos 20% e o padrão de qualidade do atendimento médico tem de ser o mesmo para todos. Permitir a complementaridade não é o ideal. Mas neste momento é o que é possível fazer, porque não temos dinheiro para suprir a perda de recursos.
Eu estava pedindo idéias para regulamentar essa experiência, que não é só do HC. Uma interrupção repentina assim é ruim.


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