São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

É sempre a mesma coisa...


É só saber pensar, o que, no caso, significa saber ler o regulamento da competição. Mas parece que pensar dói...


NÃO REVELAREI nenhuma novidade se afirmar que nossa competência de leitura apresenta níveis indigentes. Somos lanterninhas do Pisa (programa internacional de avaliação comparada). Outro dado trágico: apenas 24% dos brasileiros letrados conseguem entender uma mensagem escrita que tenha alguma complexidade. Se a complexidade for média ou alta...
O resultado disso é sentido na carne, no dia a dia, no desempenho de alunos etc. Lemos mal, muito mal. E pensamos pior, muito pior. Quem pensa mal lê e não entende, ou -pior- vê no texto algo totalmente diferente do que nele se afirma. Uma vez, escrevi sobre o mau emprego de termos técnicos na imprensa. Parti do desabamento de parte das arquibancadas da Fonte Nova, de que resultou a morte de sete pessoas. Jornais e emissoras de rádio e TV disseram que Fulano poderia ser indiciado por crime doloso, "aquele em que há intenção de matar". Afirmei que o dolo se caracteriza não só pela intenção, mas também pela assunção do risco. E era esse o caso de Fulano. Não se pode imaginar, por exemplo, que o administrador do estádio soubesse que veriam o jogo sete de seus inimigos mortais e que, por isso, liberou o estádio justamente para aquelas sete pessoas morressem. Que tiro certo!
Pois não é que recebi muitas mensagens de "advogados": "O senhor errou ao afirmar que não pode haver indiciamento por dolo nesse caso, pois o dolo pode ser eventual, quando o agente assume o risco de produzir o resultado". Santo Deus! E quem foi que disse que eu disse que não pode haver indiciamento por dolo nesse caso? Eu disse que é errado limitar a definição de dolo à intenção. Do direito para a imprensa esportiva. Na semana passada, depois que o Brasil derrotou os Estados Unidos, alguns jornalistas decretaram a sumária eliminação da equipe estadunidense da Copa das Confederações.
É sempre a mesma coisa. Toda vez que se disputa torneio pelo sistema de grupos, com quatro participantes em cada grupo, enfrentando-se em turno único, basta que um time termine a segunda rodada com duas derrotas para que alguns jornalistas decretem a eliminação desse time.
Aí eu torço para que esse time se classifique, o que é perfeitamente possível quando uma das equipes do grupo vence seus três jogos, e cada uma das outras três obtém uma vitória. Nesse caso, a solução se dá por saldo de gols, gols marcados etc.
É só saber pensar, o que significa saber ler o regulamento. Mas pensar dói. Bastava pensar que seria perfeitamente possível a equipe americana vencer o Egito, e o Brasil derrotar a Itália, o que acabou acontecendo. Mas a tentação de dizer que um time que acabou a segunda rodada com zero ponto está eliminado é tal que... Isso me lembra uma questão do Enem, em que se pedia o seguinte: três pessoas querem chegar à outra margem do rio e têm à disposição um barco, que suporta até 150 kg. Os pesos dos três viajantes são estes: 50 kg, 70 kg e 120 kg. Pedia-se o número mínimo de viagens necessárias para que os três atravessassem o rio.
A resposta é o de menos; o que efetivamente importa é como chegar a ela. Curto e grosso: na primeira viagem, o gordinho fica, do contrário, qualquer que seja seu acompanhante, o barco afunda; na segunda viagem, um dos mais leves fica e o outro leva o barco para o chumbinho; na terceira, o gordinho vai sozinho; na quarta, o mais leve que tinha ficado volta; na quinta, os dois mais leves finalmente atravessam de vez o rio. Difícil? Basta pensar. É isso.

inculta@uol.com.br


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