São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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MINHA HISTÓRIA
VÂNIA LÚCIA DA SILVA ALVES, 28


Pela honra da família

Transformei minha coragem em arma para enfrentar os policiais Eles são conhecidos como Os Highlanders São acusados de decapitar as vítimas, uma delas, meu irmão

Rodrigo Capote/Folhapress
Vânia Lúcia mostra foto do irmão Carlinhos, morto e decapitado em 2008

RESUMO
Em 8 de outubro de 2008, Antonio Carlos Silva Alves, 31, o Carlinhos, segundo a Promotoria e a Polícia Civil paulistas, foi sequestrado por quatro PMs do 37º Batalhão da capital. O corpo foi achado no dia seguinte, decapitado e sem as mãos.
A partir dos depoimentos de Vânia Lúcia da Silva Alves, 28, irmã de Carlinhos, a polícia descobriu a existência de um grupo de extermínio suspeito de ao menos 12 mortes -das quais 5 por decapitação.

(...)Depoimento a

ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO

Não vou me esquecer daquela madrugada de outubro de 2008 quando reconheci o corpo do meu irmão. Antonio Carlos Silva Alves era o nome dele. Tinha 31 anos. Estava sem a cabeça e as mãos.
A cena era forte demais. O pai e a mãe desmoronaram quando confirmei que o corpo naquele IML era o do Carlinhos. Será que as pessoas têm noção do que é dizer para os pais que um filho foi achado morto decapitado?
Como ele tinha problemas mentais por causa do parto, a mãe sempre tratou o Carlinhos como uma criança. Ele tinha corpo de homem, mas a mentalidade era a de um garoto de três anos. Era o mais velho de quatro irmãos.
Apesar de limitado, Carlinhos gostava de trabalhar para atingir o sonho de ter um galinheiro. Isso mesmo, para meu irmão, o ideal de vida era cuidar de galinhas.

OLHO NO OLHO
Naquele outubro de 2008, meu irmão estava perto de casa quando foi colocado num carro da Polícia Militar. Eram PMs de um grupo especial, chamado Força Tática.
Cheguei a ver quando o carro passou. Dentro dele uma pessoa era forçada a ficar abaixada entre os dois PMs do banco de trás. Não deu para ver o rosto de quem era levado ali, mas senti algo ruim. Olhei bem para dois dos quatro PMs no carro.
O Carlinhos não chegou em casa. Nossa família ficou desesperada. Então soubemos que era ele que tinha sido levado pela polícia. Um vizinho, que também tinha visto tudo, anotou a placa do carro da PM e me passou.
Foi aí que comecei minha batalha contra um grupo de policiais que ficou conhecido como Os Highlanders.
O nome é usado porque eles são acusados de cortar a cabeça de suas vítimas.
No dia seguinte ao sumiço do Carlinhos, a mãe e o pai foram ao 37º Batalhão da PM, responsável pelo policiamento aqui no Jardim Ângela, para saber se policiais dali tinham prendido meu irmão.
Não conseguiram nada. A mãe mostrou a foto do Carlinhos para um PM. "Moço, pelo amor de Deus, se o senhor encontrar meu filho, não faz nada com ele. O menino tem problema mental. Ele é como uma criança", a mãe disse.
O PM viu a foto do Carlinhos, olhou dentro dos olhos da mãe e respondeu que, caso soubesse de algo, avisaria nossa família. Mentira dele.
Mais tarde, graças ao trabalho dos policiais civis de Taboão da Serra que investigaram a morte do Carlinhos, descobrimos que o mesmo PM [o terceiro-sargento Moisés Alves Santos] que olhou nos olhos da mãe era um dos quatro que tinham sequestrado e arrancado a cabeça e as mãos do meu irmão.

TRISTEZA ETERNA
Como tive a coragem de reconhecer os PMs que estavam no carro, passei a ser ameaçada de morte. Ligaram várias vezes para casa para dizer que também vou perder a cabeça, que vão me pôr onde está o corpo do Carlinhos.
Um dia, dentro da Corregedoria da PM, fui intimidada pelo advogado que defendia os policiais. Ele disse que tinha todos os meus dados.
Não fraquejei pela honra da família. Meu irmão não merecia ter sido morto nas mãos de quem tinha dever de protegê-lo. Os PMs estão presos desde janeiro de 2009.
No ano passado, fiquei frente a frente com eles numa audiência. Olhei no olho de cada um deles para que sentissem parte da tristeza eterna que minha mãe carrega no coração. Ela se sente culpada por não ter evitado o assassinato da "sua criança".


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