São Paulo, terça-feira, 25 de agosto de 2009

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CECILIA GIANNETTI

Fim de jogo


O que fazemos? Andamos a esmo, pela orla, pela web, espalhando uma insatisfação que não pode mais ser reparada

DO TWITTER ao sofá diante da televisão, todos já comentaram e recomentaram e "retwittaram" (postaram no microblog Twitter) o paralelo óbvio: brasileiro vota errado até em decisão de "reality show" passado em meio a vacas e galinhas, que dirá acertar a escolha de quem o representará politicamente? Leviandade nossa, que não leva em consideração possíveis manipulações na contagem de votos?
Se quiserem uma opinião honesta: não, a avaliação não há de ser tão leviana quanto eu gostaria. Estamos onde estamos por motivos que têm a ver conosco tão diretamente quanto o resultado da impunidade, a cantilena dos arquivamentos e dos esquecimentos.
Cordiais e desprendidos, como antes já nos categorizou um intelectual, me parece que somos hoje ávidos por esquecer e perdoar, deixar para lá cretinices homéricas, desde que protagonizadas por figuras públicas -políticos, por exemplo-, características e atos que nem sempre somos capazes de ignorar em um parente ou gente próxima de nós.
A figura pública está lá, tão longe e tão perto, que é mais fácil perdoar a "twittada", também tão aberta, tão exposta e pública, assinada por um homem do porte de Mercadante, que espalhou aos seus quase 18 mil seguidores na internet: "Eu subo hoje à tribuna para apresentar minha renúncia da liderança do PT em caráter irrevogável".
Irrevogável até que deixou de sê-lo, poucas horas depois. E, no fim de semana passado, o homem já sentia que a web é um bicho ligeiro. A notícia da suposta renúncia se espalhara em segundos e, no fim de semana, o senador e líder sem liderança do PT pediu desculpas de maneira acanhada pelo mesmo Twitter.
A trapalhada propagou-se aos seguidores dos seguidores de Mercadante, tantos deles seus eleitores no passado e, hoje, apenas gente que acompanha suas frases soltas na web, bem como as de outros políticos não mais confiáveis, para se iludir de que resta alguma possibilidade de controle do povo sobre os rumos do país -ou, quem sabe, na expectativa vã de receber, em 140 caracteres, um pedido de desculpas tão pungente quanto justo e verdadeiro.
Surpreendeu alguém a cambaleada de Mercadante? Talvez, apenas a sua ingenuidade (ou cara de pau?), ao pensar que não receberia em dobro a reprovação que o aguardava de qualquer maneira, graças ao bicho de milhões de cabeças que replicou sua mancada on-line. Vi multiplicarem-se na tela do meu computador mensagens vindas de todos os cantos do país e de fora, numa gritaria, um barulho maior do que têm causado as mobilizações pelo "Fora, Sarney" em diferentes Estados.
Fui a uma das passeatas no Rio de Janeiro acompanhada de um escritor de Belém, autor de "Má Reputação" (7Letras, 2006), livro cujo título cai bem como piada pronta para o momento do Senado.
Na manifestação, que parava o trânsito em frente à orla de Copacabana, topei com antigos "conhecidos de Twitter", que de interlocutores virtuais se tornaram meus companheiros fiéis da busca pelo bolinho de bacalhau e o chope perfeito, casal de jornalistas que nos fotografou.
As fotos se espalharam também pelo Twitter, onde sigo Mercadante para apanhar momentos de hesitação como o recente. Mercadante não nos segue, pois falamos demais em "Fora, Sarney" e comprometimento do PT em nossos microuniversos eletrônicos para que possamos nos destacar entre tantos e tantos outros que fazem exatamente o mesmo.
O que estamos, então, fazendo? Andando a esmo, pela orla, pela web, espalhando uma insatisfação que não pode mais ser reparada. Fim de jogo, meus caros?


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