São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Eu amei Victoria Blue


Em meio à descoberta de Nova York, ele começou a namorar uma ex-modelo gaúcha, então com 34 anos

Estêvão Romane estava muito longe de ser um aluno aplicado na Escola Vera Cruz, onde estudou, mas sempre ganhava elogios pela qualidade de suas redações. Também não conseguiu destacar-se academicamente no exterior. Não concluiu o curso que foi fazer e, no mês passado, voltou sem o diploma e sem vontade de ser engenheiro de som. Trouxe na bagagem, no entanto, uma história tão interessante que acabou por transformá-lo em escritor.
Foi uma prostituta de luxo que atuava em Nova York quem involuntariamente conseguiu o que nenhum professor tinha até então nem remotamente conseguido: deixá-lo sentado por horas e mais horas, sem sair da cadeira, dia após dia, para escrever um livro.
Como toda boa história começa com um trauma, a dele não foi diferente: o sofrimento que enfrentou justamente por causa daquela mulher foi a inspiração para o livro. "Eu tinha de pôr minha cabeça em ordem. Escrever foi o melhor jeito que encontrei de fazer isso."

 

Na escola, Estevão destacava-se entre os amigos por cultivar hábitos exóticos. Enquanto a maioria de seus colegas ainda estava na fase de frequentar lanchonetes ou restaurantes fast food, ele dissertava sobre rum, charuto, vinhos e alta culinária. Já gostava de cozinhar pratos sofisticados. Antes de viajar para os Estados Unidos, namorava uma mulher trinta anos mais velha que ele, com quem aprendera inusitados prazeres sexuais. Mal sabia ele que o relacionamento com ela seria uma espécie de treino para o que viria pouco tempo depois.
Em meio à descoberta de Nova York, ele começou a namorar uma mulher, também mais velha, uma ex-modelo gaúcha, então com 34 anos, embora dissesse que tinha 29. Apaixonou-se perdidamente.
Tudo nela exalava sofisticação: nas estantes de livros, Gogol, Saramago e Joyce; nas paredes, quadros de sua autoria. Durante o dia, fazia pós-graduação em artes. Esse era o cenário de tórridas cenas de sexo.

 

Aos poucos, ele foi descobrindo as mentiras dela. Aquela mulher, além de sofrer de distúrbios mentais, era prostituta de luxo em Nova York. O que antes fora uma sequência de cenas que, naquela efervescente cidade, bem integrariam um filme romântico virou um labirinto. O deslumbramento inicial converteu-se em desespero.
Daí nasceu o livro, ainda não lançado, intitulado "Eu Amei Victoria Blue", numa referência ao nome de guerra da ex-namorada, cujo primeiro parágrafo começa assim: "Alguns nesta cidade já tiveram o privilégio de estar com Victoria Blue, mas eu não pagaria US$ 2.000 por ela. Ainda que ela fosse tudo aquilo em que cheguei a acreditar. E eu já acreditei muito".
Ele deu um toque de ficção à narrativa e mudou a maioria dos nomes. "Mas é tudo 100% real." Imaginou que o livro fosse a melhor maneira de organizar seus sentimentos. Para além disso, entretanto, redescobriu o prazer de contar uma boa história, a única habilidade que lhe era reconhecida nos tempos de estudante no Brasil.
PS - Coloquei no site catracalivre.com.br trechos do livro.

gdimen@uol.com.br


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