São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Decadência do dano moral

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O prazo de 90 dias, depois do qual cessa o direito de reclamar de dano moral causado pelos meios de comunicação, não vale mais. É previsto pela Lei de Imprensa, ainda em vigor, editada em 1967, nos tempos da ditadura militar. Mesmo assim, não valerá na parte referente à decadência. O STF - Supremo Tribunal Federal entende que o prazo de 90 dias não é compatível com a Constituição de 1988. Decadência, convém dizer ao leitor não ligado às artes jurídicas, é a extinção do direito provocada pela demora de quem se sinta ofendido para iniciar o processo. Esgotado o prazo em que deveria defender seu direito, este caduca. Acaba.
Com a jurisprudência do STF, o prazo passará a ser de dez anos, conforme a regra geral do artigo 205 do Código Civil. De 90 dias para dez anos, é um salto espantoso. Ambos são incompatíveis com o dano moral e suas conseqüências, quando os direitos à vida, à honra, à privacidade e à imagem da vítima são atingidos, individual e socialmente considerados. Noventa dias é muito pouco. Dez anos é muito, muito. O meio-termo leva à consulta do artigo 5º da Constituição, especialmente em seus incisos V e X. Quando se fala em dano decorrente dos meios de comunicação, de natureza não-patrimonial, com ofensa à honra, o efeito é imediato, perceptível pelo atingido e com reprodução no seu ambiente social ou comunitário assim que a ofensa ocorra.
Há dois modos de ver a questão. Um deles é o de reação pronta de quem se sinta ofendido ante a gravidade do dano. Alguém que aguarde até dez anos para queixar-se à Justiça de ter sido colocado de modo depreciativo no jornal, na revista, na televisão ou no rádio já mostra que não tem razão. A queixa será inaceitável a menos que demonstre, acima de qualquer dúvida, sua completa desinformação a respeito da ofensa quando ela ocorreu, coisa difícil de acreditar.
Outro modo de ver a questão consiste em que a indenizabilidade depende da intensidade do dano causado. Nenhum outro elemento é mais importante que o prejuízo efetivamente sofrido -o dos bens ou direitos da vítima, extintos ou restringidos por ação ou omissão do autor da reportagem divulgada ou do veículo que a divulgue, bens ou direitos relacionados aos valores morais do ofendido, considerado em si mesmo e no contexto social no qual viva.
Ora, a indenizabilidade vincula-se a dano objetivamente identificável e quantificável. À medida que o tempo passa, dia após dia, o resultado adverso diminui de significado na aferição necessária, inconfundível com condições psicológicas ou emocionais de quem se apresente como vítima. A avaliação dos elementos apenas psicológicos, infinitamente variável, se perderá no tempo para a espera de dez anos. Estamos, pois, entre o prazo muito restrito, da Lei de Imprensa, e o muito largo, resultante da orientação do STF.
Retomando o argumento da queixa de prejuízo à reputação, ao bom nome, à imagem ou à honra, permitir dez anos para entrar em juízo, além de injurídico, contraria o direito fundamental à livre manifestação, ignorando os limites normais da sensibilidade média, na justa reação contra a ofensa. A lei deve fixar o prazo aceitável. Uma das razões pelas quais defendo a necessidade de uma nova lei de imprensa está na determinação de parâmetros aptos a compatibilizar o direito individual com a liberdade da comunicação apesar da dificuldade evidente de norma isenta de dúvida.


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