São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2011

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JAIRO MARQUES

Escuta essa


Do mesmo jeito que se tenta interagir com gringos, é possível interagir com quem se expressa por sinais


Pelo menos uma vez na vida você já deve ter trombado com um "serumano" surdo. Está valendo aquele sujeito da rodoviária que entrega uns papelinhos encardidos, pedindo "dá um real, tio", ou aquele velhinho da família que todos falam, falam, falam e ele só responde: "Heim?!".
Mas a galera que tem o escutador de novela avariado é imensa. Acontece que, como essa deficiência sensorial é mais, digamos, "discreta", muitas vezes um surdão pode ser o seu padeiro ou o gerente do seu banco, mas você nunca botou reparo.
Por muito tempo, equivocadamente, usou-se o termo "surdo-mudo" para tratar o povo mal-acabado do sistema auditivo. Contudo, de forma geral, quem não escuta pode falar. Talvez não com aquele vozeirão do finado Lombardi, mas fala a seu modo, mesmo que seja por meios de gestos da língua brasileira de sinais, a Libras. Raramente um surdo tem também o silêncio para colocar no currículo.
E, dentro desse universo dos que não escutam, há uma divisão ainda pouquíssimo conhecida: existem surdos oralizados -que fazem leitura labial, foram alfabetizados em português e podem usar a voz ou a escrita para se comunicarem- e os sinalizados -que usam os sinais da Libras e podem não sacar nada do que ensina o professor Pasquale.
Em ambos os casos, porém, os surdos têm perfeitas condições de interagir socialmente, não é preciso se fingir de cego quando se deparar com um em sua rotina. Para os oralizados, o lance é sempre se comunicar olhando para ele, assim os danados captam o desenho da sua boca e está tudo certo.
Ah, sim, fale normalmente, não é preciso mexer a boca como se estivesse comendo um porco-espinho. Caso não entenda o que ele disse, peça que repita, peça que escreva.
No caso de um papo com um surdo que se comunique por Libras, a conversa pode ser um pouco mais enroscada para quem não manja absolutamente nada dessa língua. Mas não tem drama.
Da mesma maneira hospitaleira que se tenta interagir com um gringo, é possível interagir com o pes-soal que se expressa por meio de sinais. Lance mão de gestos universais. Assim, para dizer "bora lá tomar um rabo de galo?", é só esticar o polegar e o mindinho, esconder os outros irmãozinhos e chacoalhar a mão no sentido da boca. Ignorar é que não rola, não inclui e não é um ato de cidadania. Por haver esses dois grupos, o ideal é que, em programas de TV, em filmes no cinema, em apresentações e em serviços ao público, haja sempre a opção de legendas -ou informações por escrito- e também a janelinha com uma moça mandando ver nos movimentos da Libras.

 


"Adélia Esquecida", de Lia Zatz, é um livro infantil que vai encantar coraçõezinhos. A obra, que conta a história de uma menina sempre com a cabeça na Lua, pode ser lida ao mesmo tempo tanto por uma criança cega como por uma que tem plena visão. O segredo é que o livro, da WG Produto, é cheio de imagens com texturas e cheiros e alia o braile à escrita convencional. É "dispressionante", como diria um amigo meu. No blog tem imagens e conto mais do trabalho, que tem ilustrações de Luise Weiss e vai ser distribuído gratuitamente em bibliotecas.

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