São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2007

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Os presos me castigavam, afirma jovem

DA ENVIADA A BELÉM (PA)
DA REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

L. deita-se no colo de Diva de Jesus Negrão Andrade, 42, do Conselho Tutelar de Abaetetuba, uma das responsáveis pela sua libertação. Abraça a mãe biológica, de 44 anos. Em seguida, joga-se nos braços da madrasta, para logo depois agarrar-se à agente da Polícia Rodoviária Federal que faz a sua escolta.
A Folha encontrou L. e sua família (mãe, madrasta e o pai biológico) nas dependências da Polícia Rodoviária Federal em Belém, sob o comando do superintendente Isnard Ferreira, 51, que vem garantindo a proteção do grupo desde sexta-feira passada, a pedido da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão ligado à Presidência da República.
A menina morena ainda traz marcas de queimaduras nas solas dos pés, hematomas pelo corpo causados por surras com pau de vassoura e os cabelos bem curtos, cortados a facão pelos presos com quem dividiu a cela em Abaetetuba.
"Eles me castigavam quando eu não fazia o que eles queriam", diz. Agora, ela está eufórica. Ri, dança, conversa, oferece bolachas de chocolate a todos.
De acordo com a mãe biológica, cearense que está há 23 anos no Pará, sua filha está "como um passarinho que fugiu da gaiola". Ela pede: "Maneira um pouquinho, menina. A situação é grave". L. não escuta, sente-se segura agora que está perto da família e longe de Abaetetuba.
São todos muito pobres. O pai, trabalhador rural, teve de retirar um dos pulmões, atacado pelo câncer. Fala com um fiapo de voz (a doença também afetou-lhe as cordas vocais) e seus olhos enchem-se de lágrimas ao contar o que a filha passou na cadeia. Antes, com os dedos indicador e médio esticados, pedia, em mímica, um cigarro para a ex-mulher.
Parte da família mora isolada em Vila do Conde, município de Barcarena. Outra parte mora na zona rural. L., por sua vez, foi morar com um tio em Abaetetuba, para poder estudar. Ela freqüentava a quinta série do supletivo do Colégio Santa Clara, onde suas matérias preferidas eram matemática e ciências -"odeia" português.
Por essas contingências geográficas, a distância mínima entre cada ponta da família era de duas horas, indo de ônibus.
Os contatos acabavam sendo esparsos. "Uma vez por semana, às vezes mais, às vezes menos", diz a mãe, que tem outros cinco filhos. Por isso, quando a garota sumiu, ninguém se deu conta.
Adolescente típica, L. está sempre com fome. Para o primeiro encontro com a mãe depois da cadeia, fez um único pedido sério: que ela levasse de presente uma caixa de bombons Garoto. Diz que já teve um grande amor, Luízo -assim mesmo-, que morreu.
Sobre o que aconteceu na delegacia de Abaetetuba, L. pouco quer falar. Mas diz que havia "um cara muito gente boa" que a defendia quando a violência crescia demais. Foi esse preso, aliás, o primeiro a dizer que todos na cadeia sabiam que L. tinha apenas 15 anos de idade, quando a Polícia Civil insistia em dizer que ela era maior.
(LAURA CAPRIGLIONE e MARLENE BERGAMO)


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