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PASQUALE CIPRO NETO
"Felicidade é brinquedo que não tem"
"Anoiteceu, o sino gemeu..." Quem não conhece esse e outros versos de "Boas
Festas", pungente canção do genial Assis Valente? "Boas Festas"
é daquelas músicas que 99% das
pessoas conhecem. Dessas, porém,
99,99% não sabem o título da
música nem o nome de seu autor.
Assis Valente nasceu no Recôncavo Baiano, onde nasceram artistas do quilate de Caetano Veloso, Jorge Portugal, Maria Bethânia e Roberto Mendes, entre outros. São de sua lavra obras-primas como "Fez Bobagem", "Camisa Listrada", "E o Mundo Não
se Acabou", "Brasil Pandeiro" etc.
Vejamos o uso da forma verbal
"tem" em "Boas Festas": "Papai
Noel, vê se você tem / A felicidade
pra você me dar / (...) Já faz tempo
que eu pedi / Mas o meu Papai
Noel não vem / Com certeza já
morreu / Ou então felicidade / É
brinquedo que não tem".
O sujeito da primeira ocorrência de "tem" é "você". Antes que
alguém pergunte por que não é
"Papai Noel", é bom dizer que esse termo é vocativo (ser a quem a
palavra é dirigida). O sujeito do
primeiro "tem" é mesmo "você",
termo que "conjuga" o verbo.
E o sujeito da segunda ocorrência de "tem" ("Felicidade é brinquedo que não tem")? Será esse
um daqueles casos em que o verbo
"ter" é usado (sobretudo na linguagem informal) como impessoal, com o sentido de "existir",
"haver" ("Tem gente na sala";
"Não tem brinquedo na loja")?
Não é não, caro leitor. Volte ao
texto (e sobretudo ao contexto) e
veja que há dois Papais Noéis.
Um é o de todos; o outro, particular, é o do próprio emissor ("mas
o meu Papai Noel não vem"). Pois
é esse Papai Noel que "não vem",
que, "com certeza, já morreu" e
que não tem um brinquedo cujo
nome é "felicidade".
Pois bem, terminada a "trégua"
natalina, os vestibulares estarão
de volta, e não será surpresa a
presença em alguns deles de questões relativas ao verbo "ter", sobretudo no que diz respeito a seu
emprego com o valor de "haver"
ou "existir", comum não só na informalidade como também em
vários registros literários de peso,
entre os quais o antológico poema
"No Meio do Caminho", de
Drummond ("Tinha uma pedra..."), e a célebre canção "Roda
Viva", de Chico Buarque ("Tem
dias que a gente se sente...").
Na primeira fase de 2003, a partir da canção "Eu te Amo" (de
Tom Jobim e Chico Buarque), a
Fuvest abordou o problema ao
contrário, numa questão cujo
enunciado era este: "Neste texto,
em que predomina a linguagem
culta, ocorre também a seguinte
marca da linguagem coloquial".
A primeira alternativa do teste
era esta: "Emprego de "hei" no lugar de "tenho" (em "Me conta agora como hei de partir')".
Que tal, caro vestibulando?
"Hei de partir" é construção coloquial, enquanto "Tenho de partir" é formal? Certamente não. É
preciso ter cuidado para não sair
atrás do primeiro canto do galo.
Os apressados vêem os pares "coloquial/formal" e "ter/haver" e
vão logo vendo o que não existe.
Bem, por falar em Papai Noel,
não resisto à tentação de lembrar
por que o nosso "bom velhinho"
tem esse nome. Nossos irmãos
portugueses o chamam "Pai Natal"; os italianos, "Babbo Natale"
(cuja tradução é "Pai Natal"); os
franceses, "Père Noël" (cuja tradução é "Pai Natal"). E nós? Juntamos português ("Papai") com
francês ("Noël", de que tiramos o
trema). Chique, não? É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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