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MOACYR SCLIAR
O Natal do Papai Noel
Veteranos ensinam Papai Noel de primeira viagem a ser convincente. Mais do
que colocar a fantasia, para convencer as
crianças é preciso incorporar o personagem. Tem que pensar como Papai Noel.
Cotidiano, 23 de dezembro.
SE LHE perguntassem qual o
pior dia do ano, ele não hesitaria em responder: o 25 de dezembro. A resposta surpreenderia
duplamente as pessoas. Primeiro
porque o Natal é, tradicionalmente,
uma data de alegria, mesmo para
aqueles que por motivos religiosos
ou outros não a celebram: o espírito
natalino acaba envolvendo a todos.
Além disso, no caso dele, existe ainda uma razão adicional para surpresa: ele é o Papai Noel. Melhor dizendo, um dos muitos papais noéis que,
pelo mundo todo, animam a festa.
Humilde funcionário público, quando chega o fim do ano, tira do armário a velha fantasia que herdou do
pai (também ele um alegre Papai
Noel) e, por alguns dias, faz o papel
de bom velhinho, às vezes trabalhando para uma loja de seu bairro,
às vezes ajudando alguma entidade
filantrópica: é um homem bom, gosta de alegrar os outros, sobretudo as
crianças, e sobretudo as crianças pobres, desamparadas. Quando lhe pagam, ele aceita; quando não lhe pagam, cumpre a tarefa do mesmo jeito e com a mesma alegria. Na opinião de todos quantos o conhecem,
ele é um grande Papai Noel. Para começar tem o tipo físico adequado: é
grande, gordo, tem as maçãs do rosto vermelhas (sim, gosta um pouco
de bebida alcoólica) e sua barba, longa, branca e bem cultivada, simplesmente dispensa uma barba postiça.
E assim, nos dias que precedem o
Natal, ali está ele, diante da loja para
a qual trabalha, ou em um orfanato
ou em uma creche. Faz tudo que o
Papai Noel deve fazer: carrega com
desenvoltura o seu saco de brinquedos, dá boas risadas (o clássico "ho-ho-ho"), conta histórias para as
crianças. Com a noite de Natal sua
alegria chega ao auge: invariavelmente é convidado para a ceia de
Natal com alguma família do bairro;
ali distribui presentes (presentes
que ele mesmo compra) e entoa, numa bela voz de barítono, canções natalinas: "Noite Feliz" e outras. Mas o
tempo passa (mesmo na véspera de
Natal o tempo passa), a festa termina, e ele tem de voltar para a sua casa, que não fica no Pólo Norte, mas
sim numa ruazinha humilde de uma
cidade brasileira.
Voltar para casa é uma coisa que
ele sempre faz com um aperto no coração. Viúvo, sem filhos, mora sozinho. Não tem ninguém com quem
festejar o Natal, absolutamente ninguém. Em geral, passa o dia na cama,
afogando as mágoas com bebida.
Mas ele não perde as esperanças.
Tem certeza de que um dia isso vai
mudar. E até sabe como vai mudar: é
algo que se desenrola em sua mente
como as cenas de um lindo filme, estes filmes que os cinemas exibem
nesta época do ano. Ele levantará da
cama, ainda de madrugada. Vestirá a
roupa de Papai Noel e sairá para a
rua, a essa hora deserta. Caminhará
sem destino durante muito tempo,
até que encontrará uma linda moça,
uma moça que, como ele, estará sozinha naquelas primeiras horas do
dia 25 de dezembro. Ela olhará para
ele e dirá: "Eu sabia que o Papai Noel
não era lenda". E o levará para sua
casa, onde, depois de muito tempo,
ele redescobrirá o amor.
Sonho impossível? Talvez. Mas
ele não perde as esperanças. É tudo
que pede ao Papai Noel. E tem certeza de que um dia seu pedido será
atendido.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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