São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

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MOACYR SCLIAR

O Natal do Papai Noel

  Veteranos ensinam Papai Noel de primeira viagem a ser convincente. Mais do que colocar a fantasia, para convencer as crianças é preciso incorporar o personagem. Tem que pensar como Papai Noel. Cotidiano, 23 de dezembro.

SE LHE perguntassem qual o pior dia do ano, ele não hesitaria em responder: o 25 de dezembro. A resposta surpreenderia duplamente as pessoas. Primeiro porque o Natal é, tradicionalmente, uma data de alegria, mesmo para aqueles que por motivos religiosos ou outros não a celebram: o espírito natalino acaba envolvendo a todos.
Além disso, no caso dele, existe ainda uma razão adicional para surpresa: ele é o Papai Noel. Melhor dizendo, um dos muitos papais noéis que, pelo mundo todo, animam a festa. Humilde funcionário público, quando chega o fim do ano, tira do armário a velha fantasia que herdou do pai (também ele um alegre Papai Noel) e, por alguns dias, faz o papel de bom velhinho, às vezes trabalhando para uma loja de seu bairro, às vezes ajudando alguma entidade filantrópica: é um homem bom, gosta de alegrar os outros, sobretudo as crianças, e sobretudo as crianças pobres, desamparadas. Quando lhe pagam, ele aceita; quando não lhe pagam, cumpre a tarefa do mesmo jeito e com a mesma alegria. Na opinião de todos quantos o conhecem, ele é um grande Papai Noel. Para começar tem o tipo físico adequado: é grande, gordo, tem as maçãs do rosto vermelhas (sim, gosta um pouco de bebida alcoólica) e sua barba, longa, branca e bem cultivada, simplesmente dispensa uma barba postiça.
E assim, nos dias que precedem o Natal, ali está ele, diante da loja para a qual trabalha, ou em um orfanato ou em uma creche. Faz tudo que o Papai Noel deve fazer: carrega com desenvoltura o seu saco de brinquedos, dá boas risadas (o clássico "ho-ho-ho"), conta histórias para as crianças. Com a noite de Natal sua alegria chega ao auge: invariavelmente é convidado para a ceia de Natal com alguma família do bairro; ali distribui presentes (presentes que ele mesmo compra) e entoa, numa bela voz de barítono, canções natalinas: "Noite Feliz" e outras. Mas o tempo passa (mesmo na véspera de Natal o tempo passa), a festa termina, e ele tem de voltar para a sua casa, que não fica no Pólo Norte, mas sim numa ruazinha humilde de uma cidade brasileira.
Voltar para casa é uma coisa que ele sempre faz com um aperto no coração. Viúvo, sem filhos, mora sozinho. Não tem ninguém com quem festejar o Natal, absolutamente ninguém. Em geral, passa o dia na cama, afogando as mágoas com bebida. Mas ele não perde as esperanças. Tem certeza de que um dia isso vai mudar. E até sabe como vai mudar: é algo que se desenrola em sua mente como as cenas de um lindo filme, estes filmes que os cinemas exibem nesta época do ano. Ele levantará da cama, ainda de madrugada. Vestirá a roupa de Papai Noel e sairá para a rua, a essa hora deserta. Caminhará sem destino durante muito tempo, até que encontrará uma linda moça, uma moça que, como ele, estará sozinha naquelas primeiras horas do dia 25 de dezembro. Ela olhará para ele e dirá: "Eu sabia que o Papai Noel não era lenda". E o levará para sua casa, onde, depois de muito tempo, ele redescobrirá o amor.
Sonho impossível? Talvez. Mas ele não perde as esperanças. É tudo que pede ao Papai Noel. E tem certeza de que um dia seu pedido será atendido.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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