UOL


São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

Próximo Texto | Índice

FEBEM

Valor foi gasto em três anos em unidades para adolescentes mais perigosos e para pagar horas extras a funcionários

Contenção de rebeliões custa R$ 180 mi

João Wainer/Folha Imagem - 15.jan.2003
Menores rebelados em telhado da unidade da Febem de Franco da Rocha; motim começou durante visita de conselheiros tutelares


GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo já gastou pelo menos R$ 180 milhões em três anos -de janeiro de 2000 a dezembro de 2002- para "apagar o fogo" das rebeliões feitas pelos seus internos. Esse valor representa 63,3% do orçamento total da instituição para 2003.
Com os mesmos R$ 180 milhões o governo paulista poderia construir 360 creches ou 180 escolas com 16 salas de aula e capacidade para atender 800 alunos.
O montante é referente a apenas três itens: pagamento de horas extras, construção da unidade de Franco da Rocha (Grande São Paulo) e reforma da já desativadas instalações de Parelheiros (zona sul da capital).
A conta dos gastos não inclui, por exemplo, todas as reformas feitas no Complexo do Tatuapé, palco de pelo menos uma dezena de rebeliões no período.
A maioria das horas extras foi paga a funcionários que trabalham com os adolescentes considerados mais perigosos.
As unidades de Franco da Rocha e Parelheiros também foram construídos para abrigar menores com esse mesmo perfil.
As horas extras pagas aos monitores de Franco da Rocha, palco de sete rebeliões nos últimos 30 dias, inflaram os salários dos responsáveis pela contenção dos adolescentes em mais de 300%, conforme mostram contracheques obtidos pela Folha.
O que fez com que os funcionários ganhassem mais não foi apenas as rebeliões, mas o processo de contenção dos menores para evitar os motins. Como não há funcionários em quantidade suficiente para cobrir todos os plantões, os que já haviam acabado o turno permaneciam trabalhando.
O resultado foi que, em unidades de alta contenção (segurança máxima), caso de Franco da Rocha, os monitores fizeram, em média, 150 horas extras por mês. Mas mudanças recentes na administração da Febem podem acabar com o rendimento adicional.

Contenção extrema
No auge da "linha dura", de meados de 2001 a 2002, os menores eram punidos se reclamassem ou batessem nas grades -pois isso poderia representar um princípio de rebelião na unidade.
A política da contenção extrema foi implantada na Febem pelo ex-presidente Saulo de Castro Abreu Filho e permaneceu praticamente inalterada até o final da gestão de Maria Luiza Granado, indicada por ele para o cargo.
A política de Abreu Filho praticamente acabou com as rebeliões nas unidades de alta contenção. Em 2000, houve 52 rebeliões na Febem. Em 2002, apenas uma.
Fortalecido, Abreu Filho deixou a Febem, no início de 2002, para assumir a Secretaria da Segurança Pública, área prioritária para o governo do PSDB no Estado.

Mudança de rumo
No início deste ano, o governador Geraldo Alckmin entregou a Febem a outra estrela do seu governo, o secretário da Educação, Gabriel Chalita, 33, cujo discurso principal é o da educação pelo afeto. A Febem, antes ligada à Secretaria da Juventude, passou a ser responsabilidade da pasta da Educação.
Uma das primeiras medidas do presidente indicado por Chalita, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, foi anunciar o fim da contenção extrema nos cadeiões. Ele também abriu o diálogo com instituições de direitos humanos, prática pouco comum na gestão anterior.
As horas extras foram substituídas por um plano de cargos e salários, já implantado na gestão de Granado. A medida provocou redução nos rendimentos de monitores de Franco da Rocha.

Início conturbado
Desde que Costa se tornou presidente da Febem, no dia 9 passado, houve sete rebeliões no cadeião de Franco da Rocha.
Dessa vez, porém, diferentemente dos "tradicionais" motins na instituição, praticamente não houve reféns. Nem os meninos jurados de morte por outros internos (os que estão no chamado "seguro") sofreram retaliações.
No próprio dia em que o novo presidente tomou posse ocorreu um "princípio de rebelião" na unidade 31 de Franco da Rocha, segundo o sindicato dos funcionários da Febem.
No dia 15, cerca de 85 internos fizeram motim de três horas e meia durante a visita de 12 conselheiros tutelares (responsáveis pela fiscalização do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente). Seis dos conselheiros ficaram voluntariamente no local até o fim da rebelião.
No dia seguinte, o presidente da Febem afastou 99 funcionários por denúncias de maus-tratos e suspeita de facilitação de rebeliões. Desde então, houve mais três motins em Franco da Rocha, unidade que será desativada.


Próximo Texto: Para sindicato, diretor impede as contenções
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.