São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRANSPLANTES

Presidente em exercício admite possibilidade de ter encaminhado pedido sobre paciente ao Ministério da Saúde

Encaminhamentos são "rotina", diz Alencar

DA REPORTAGEM LOCAL

DA SUCURSAL DO RIO

O presidente em exercício, José Alencar, admitiu, anteontem à noite em São Paulo, a possibilidade de ter intercedido em favor de uma paciente candidata a transplante de medula óssea.
"Mandamos verificar no gabinete se havia alguma correspondência nossa dirigida ao hospital ou dirigida ao médico para pedir alguma coisa em benefício de alguém, mas não posso dizer também, com segurança, que não fui procurado por algum pai desesperado, e pode ser que eu tenha encaminhado para o Ministério da Saúde", afirmou Alencar, durante a abertura de um congresso de odontologia.
"Mas, quando se faz qualquer encaminhamento, é dizendo que a gente gostaria que fosse avaliada a possibilidade de atendimento do pleito. Isso é uma coisa de rotina em todos os gabinetes de autoridades, que não podem dizer que não atendem a um pai", completou o presidente em exercício.
A suspeita de que houve pressão política para beneficiar pacientes que estão na fila de transplantes de medula óssea foi revelada na semana passada, quando o ex-diretor do Cemo (Centro de Transplante de Medula Óssea) do Inca (Instituto Nacional de Câncer), Daniel Tabak, pediu demissão e divulgou supostas provas dessa interferência.
Procurado pela Folha, Tabak afirmou ontem que não pretende mais falar sobre o assunto porque já encaminhou todas as provas de pressão política na fila dos transplantes para o Inca. Ele disse apenas que a pressão vinda de um vice-presidente é "inaceitável".
A mais forte suspeita de que pode ter havido favorecimento de alguns pacientes apadrinhados por políticos está justamente no caso em que, de acordo com o que Tabak escreveu em sua carta de demissão, houve pressão do gabinete do vice-presidente e do Ministério da Saúde.

E-mails
O ex-diretor do Cemo, órgão responsável por centralizar as consultas a bancos de doadores de medula óssea em todo o mundo, anexou em sua carta de demissão quatro e-mails enviados pelo coordenador-geral do SNT (Sistema Nacional de Transplantes), Diogo Mendes.
Nesses e-mails, Mendes determina ao Cemo que prossiga, "imediatamente", com as buscas para encontrar doador para uma paciente de São Paulo. O SNT é um órgão do Ministério da Saúde.
Ainda segundo relato feito pelo médico em sua carta de demissão, quando ele questionou Mendes em uma reunião que aconteceu no Inca em 16 de dezembro sobre os motivos da pressão para essa paciente, o coordenador do SNT teria dito que "agia por determinação direta do presidente da República em exercício".
Por causa da pressão, de acordo com Tabak, essa paciente que foi indicada fez em menos de um mês exames que outros pacientes com mesma gravidade e que se inscreveram no Cemo antes dela ainda não fizeram.
O processo que determina quem terá prioridade na lista de transplantes de medula óssea é complexo e depende, principalmente, da análise dos médicos do paciente e do Cemo, que, além de levar em conta a ordem cronológica de inscrição, avaliam também a gravidade do caso e a possibilidade de encontrar um doador.
Diferentemente do que acontece com outros tipos de transplante, o de medula óssea depende também de uma série de buscas por doadores compatíveis. Para realizar as buscas, no entanto, é preciso fazer exames sofisticados nos pacientes e nos possíveis doadores para determinar uma compatibilidade total.
Como o Inca, que é um órgão do Ministério da Saúde, não tem recursos nem estrutura para realizar todas as buscas ao mesmo tempo, é preciso escolher os pacientes que terão prioridade em detrimento de outros.
A principal queixa de Tabak é que, no caso da paciente de São Paulo, essa prioridade teria sido conseguida por causa da pressão política, e não apenas por causa da avaliação entre médicos.
Na semana passada, o Ministério da Saúde divulgou uma nota em que afirmava que a paciente em questão ainda "aguarda na fila a busca e, portanto, ainda não houve o transplante".
A Folha tem tentado falar com Diogo Mendes desde quarta-feira, mas a assessoria de imprensa do ministério afirma que ele está em férias, no exterior.



Texto Anterior: TV por assinatura: Estudante espera mais de um mês por transferência
Próximo Texto: TV traz nova denúncia de ingerência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.