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São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003

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TRANSPORTE

Extrato do FGTS indicava que funcionária ocupava cargo de direção; polícia investiga fraudes em empresas de ônibus

Sem saber, cobradora vira diretora de viação

CHICO DE GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cobradora de ônibus, com salário bruto de cerca de R$ 650 mensais, teve uma surpresa ao solicitar um extrato de sua conta do FGTS: descobriu que, apesar de seus rendimentos, era diretora da empresa para a qual trabalhava e, portanto, não tinha direito a depósitos em sua conta.
O fato aconteceu em julho do ano passado com Jacqueline Lima Santos, 35. Dois meses depois, ela verificou que, pelo mesmo motivo, não tinha recolhimento do INSS, embora, mensalmente, sofresse descontos de aproximadamente R$ 30 em seu salário para essa finalidade.
A cobradora foi admitida pela viação Santa Madalena em abril de 2001, embora só tenha sido registrada em julho do mesmo ano. Um ano depois, segundo Jacqueline, ela pediu para mudar de horário porque pretendia fazer um curso de auxiliar de enfermagem, mas, ainda segundo a cobradora, a empresa não autorizou.
Decepcionada com a negativa, ela resolveu verificar quanto tinha de fundo de garantia para ver se era possível fazer uma negociação para ser demitida. "Quando puxei o extrato veio a informação de que não tinha nada."
Jacqueline, então, procurou a direção da empresa. "Eles disseram que havia um erro e que iriam corrigir." De fato, a partir de agosto a viação passou a depositar em sua conta do FGTS.
Porém, em setembro ela também descobriu que a empresa não repassava o dinheiro que lhe era descontado do INSS. "Novamente procurei a empresa, em outubro, mas disseram que acertariam depois."
Em novembro, a funcionária foi demitida. Jacqueline entrou com uma ação contra a Santa Madalena, cuja razão social foi alterada, em dezembro de 1998, para Oak Tree. A primeira audiência está marcada para abril.
De acordo com o sindicato dos motoristas e cobradores de ônibus, a empresa acumula dívidas de cerca de R$ 7 milhões com o INSS e R$ 144 mil com o FGTS.
O diretor de garagem pelo sindicato, Narcísio Ozório, afirmou que a empresa tem cerca de 650 funcionários e uma frota operacional de 650 ônibus. Ninguém na empresa foi encontrado para falar sobre o assunto.
Para especialistas em tributos, a prática de colocar funcionário como diretor para não pagar benefícios pode configurar apropriação indébita.
De acordo com Luiz Antonio Miretti, da Comissão de Estudos dos Direitos do Contribuinte da OAB, "em tese, uma ação como essa pode caracterizar fraude". Miretti, porém, faz questão de diferenciar o sonegador -aquele que cria artimanhas para não pagar os impostos- do inadimplente -quem não consegue pagar suas dívidas.
A presidente da Associação Paulista dos Fiscais de Contribuição Previdenciária (Apafisp), Assunta di Dea Bergamasco, afirmou que "muitas vezes as empresas usam desse expediente para não pagar os tributos". Ela disse que há dificuldade em fiscalizar porque há cerca de 800 mil empresas no Estado, mas apenas 1.421 auditores.
Desde a semana passada, a polícia vem investigando supostas fraudes praticadas por empresas de ônibus. No último domingo, por exemplo, a Folha revelou que a Parque Ibirapuera Transportes, que atua na capital, foi vendida, em novembro do ano passado, para dois novos sócios, um dos quais um ex-fiscal da empresa que morava de aluguel em Carapicuíba, na Grande São Paulo.
A polícia também investiga a venda de outra viação, a Cidade Tiradentes, para uma pessoa que morrera seis meses antes de a transação comercial acontecer.


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