São Paulo, sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

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BARBARA GANCIA

Milonga, por supuesto


Jorge Luis Borges não disse que o impasse das Malvinas era como "dois carecas brigando por um pente"?


EM SEU ESCRITÓRIO na Casa Rosada, ela aguarda enquanto a ligação é completada. Na parede, o mapa-múndi de Buenos Aires está ao lado da foto daquele jogador que, segundo a imprensa local, foi o melhor do mundo e um dos melhores de Argentina. Finalmente, é estabelecida a conexão com 10, Downing Street.
"Hola, Gordon! Habla Cristinita." Gordon Brown, que tinha acabado de soltar os bofes com uma estagiária que havia entendido "Coca Light Plus", quando, na verdade, ele pedira Coca Zero, ainda está ofegante quando chega ao telefone. "Hello, Cristina, o que manda?" Ciente de que o último bate-papo entre os dois pode ter deflagrado o início do fim do governo trabalhista na Grã-Bretanha, Cristina Kirchner inicia a conversa com cautela. "Vi pelos jornais que você seguiu meu conselho e trocou a nada viril carne de carneiro por carne suína."
"Ora, Cris, você acha que eu abriria mão do carneiro ao molho de menta, só porque você me disse que a carne de porco me daria redobrada potência sexual? Nunca!" Para quem era conhecida como "rainha Cristina" no começo do mandato, até que a presidente está relativamente amena. "Mas, Flash Gordon, você não andou quebrando a mobília de Downing Street e pegando as funcionárias pelo cangote? Pensei que..."
A Coca Zero ainda não deu sinal de vida e Gordon Brown começa a ficar agitado. "Desembucha logo, Miss Piggy, que eu ainda preciso fazer vários telefonemas hoje, um pra mandar o Tony Blair catar coquinho na ladeira por conta do pepino em que ele me meteu no Iraque e no Afeganistão, e outro para aquele queniano dos infernos que está na Casa Branca e que me esnoba a cada encontro. Hoje eu o mando enfiar o porta-aviões dele, o Nimitz, na orelha esquerda."
Cristina Kirchner percebe que é melhor apressar o assunto. "Veja, Gordy: você sabe que minha vida não tem sido fácil, que tenho tido de maquiar os índices da economia para deixar todos felizes, que danço o "rebolation" para pagar as dívidas, que estou em guerra com o campo, que tive um probleminha aí com uma mala de dinheiro vinda de Caracas e sabe também que as duas únicas coisas que unem os argentinos são o futebol e as Malvinas, não sabe?"
"Vem não, Cris. Em 2007, teu marido Nestor cancelou unilateralmente o acordo com a Grã-Bretanha que tratava da exploração de petróleo na região das Falklands. O que você quer de mim?"
"Como ia dizendo, Gordy baby, só o futebol e as Malvinas unem de fato os hermanos. E, como o nosso futebol está nas mãos de Deus, que aqui a gente chama de Diego Armando, vou ter de fazer uma encenaçãozinha em torno das Malvinas, OK, lindão? Mas, liga não, que as empresas que vão explorar petróleo na região também atuam fortemente na Argentina e, no fim, fica todo mundo contente, pode ser?"
Gordon Brown reflete. "Não foi um escritor argentino que disse que o impasse das Falklands era como "dois carecas brigando por um pente'? Então tá, fazemos uma ceninha e depois lucramos todos, inclusive aquele barbudo tapuia que faz mais sucesso do que eu, sendo que entrei na faculdade aos 16 anos e ralei feito louco e, hoje, todos me tomam por desequilibrado e a ele, por sábio. Posso desligar agora?"

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