|
Próximo Texto | Índice
CRIME ORGANIZADO
No Rio, traficantes dão, a cada dez porções de maconha ou cocaína, a 11ª de brinde
Incontrolável, tráfico cria vale-droga
ANDRÉ CARAMANTE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Com a concorrência cada vez
mais acirrada, traficantes do Rio
de Janeiro passaram a adotar, nos
últimos meses, um esquema de
venda de drogas com promoções
semelhantes às de pizzarias: a cada dez papelotes de cocaína ou cigarros de maconha comprados
diretamente na boca-de-fumo,
ganha-se o 11º.
Essa espécie de brinde em troca
da fidelidade do cliente foi implantada pela facção criminosa
Comando Vermelho, o CV. Na
hora da compra, o usuário recebe
cupons -papéis carimbados que
geralmente trazem a inscrição
"CV", o nome do lugar onde a
droga foi comprada, o tipo e o valor pago por ela. A promoção do
vale-droga é, por enquanto, restrita às pessoas que são conhecidas dos traficantes.
A "promoção" não tem data para ocorrer -depende da disponibilidade das drogas nas bocas-de-fumo e do prazo dado pelos fornecedores para a sua quitação. E o
esquema cresceu justamente no
período em que o Exército ocupou as favelas após o roubo de 11
armas de um quartel. O armamento só foi devolvido após um
acordo dos militares com criminosos líderes do CV.
O vale-droga, segundo traficantes de Manguinhos, Vigário Geral
e do Complexo do Turano, na zona norte do Rio, é uma maneira
de fazer o dinheiro girar rápido.
Muitas vezes, grande quantidade
de droga fica acumulada nos
morros e os prazos para pagar os
"matutos" (fornecedores, normalmente intermediários paulistas que fazem a negociação entre
os produtores e os traficantes cariocas) estão apertados demais.
Ao contrário do que se imagina,
hoje, nos morros cariocas, o crack
é muito negociado nas bocas-de-fumo. A droga, assim como a maconha e a cocaína, é fornecida por
traficantes de São Paulo. Mas o
crack não entra na promoção da
11ª dose grátis. "Não dá para fazer
isso porque esses caras [usuários
de crack] são totalmente descontrolados. Iam causar problemas.
Tentariam até falsificar cupons",
diz um traficante do Turano.
"O que muita gente não consegue ver é que isso aqui [o tráfico] é
uma empresa como outra qualquer, que busca lucro, "money",
dinheiro. Não tem só monstro
aqui, não. Isso é o ganha-pão de
muita gente. Quem está aqui quer
as mesmas coisas que as pessoas
que trabalham nas grandes empresas, por isso sabemos como
tratar nossos clientes", continua o
mesmo "linha de frente" (chefe)
do Turano, enquanto, ao seu lado,
um garoto de 11 anos está desfalecido pelo uso do "loló" (droga à
base de clorofórmio).
"As bocas que fazem a promoção são as que têm clientes mais
fiéis. A troca acontece na base da
confiança. Eu só compro lá no
Turano, onde os meninos do movimento sabem que uso só maconha", diz um universitário, de 23
anos, que cursa jornalismo à noite
na Estácio de Sá, localizada na base do Complexo do Turano.
É a mesma universidade onde,
em 2003, Luciana Gonçalves de
Novaes, então com 19 anos, ficou
tetraplégica após tomar um tiro
que teria sido disparado por um
traficante do Turano.
No início da madrugada da última quarta-feira, dia 22, traficantes de uma das cinco bocas-de-fumo do Complexo do Turano resolveram inovar na promoção:
passaram a oferecer, junto com as
porções de maconha, um pedaço
de papel de seda -que é vendido
legalmente para usuários de cigarro de palha. Cada folha, segundo o subgerente do tráfico no Turano, custa, em média, R$ 0,25.
Foram compradas pelo próprio
traficante para o seu uso pessoal.
"Daqui uns dias, vamos fornecer a maconha já em forma de baseado, enrolada na seda. Se bobear, até em maços, como é o cigarro", disse, sorrindo, o subgerente do tráfico no Turano.
A decisão de fornecer o papel de
seda na trouxinha da maconha foi
tomada após a namorada dele reclamar de que não era muito fácil
obter um "papel de qualidade"
para enrolar a droga.
Próximo Texto: Crime organizado: Didico, 12, é um dos "braços" da boca-de-fumo Índice
|