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GILBERTO DIMENSTEIN
Ser traficante é sinal de inteligência? Talvez
O Colégio Objetivo procurou, no ano passado, superdotados entre alunos da sétima série de 51 escolas da rede municipal da cidade de São Paulo.
Os escolhidos ganhariam mensalidade gratuita, aulas no curso
pré-vestibular, bolsa em dinheiro
e ajuda extra para desenvolver
suas aptidões. Depois de meses de
seleção entre uma gigantesca fila
de pretendentes, sobraram 11 vitoriosos.
Como em qualquer agrupamento humano existe uma porcentagem de indivíduos com aptidões acima da média (assim como de deprimidos e ansiosos), se
aquela seleção fosse estendida para todas as sétimas séries da rede
municipal, na qual existem cerca
de 500 escolas, teria revelado, no
mínimo, 50 superdotados. Estimulados para transformar seu
potencial em alguma habilidade,
a probabilidade é que se desenvolvessem acadêmica e profissionalmente. É óbvio.
Não é óbvio, porém, qual seria o
resultado se, em vez de apoiados
para avançar nos estudos, os integrantes desse grupo permanecessem em escolas de baixa qualidade, não conseguissem emprego e
vivessem em comunidades miseráveis.
Provavelmente, muitos deles
usariam sua inteligência e espírito empreendedor para liderar
gangues, seqüestrar, assaltar ou
traficar drogas. Fala-se muito que
a criminalidade é conseqüência
de uma série de combinações sociais, culturais e econômicas. Mas
quase nunca se fala que ela também é o resultado perverso da inteligência.
Nunca vi nenhum teste de inteligência aplicado entre líderes de
gangues, mas o que sempre me
chamou a atenção, observando
crianças e adolescentes envolvidos no crime, é uma visível esperteza e rapidez de raciocínio, apuradas na seleção "natural" da
rua.
O chefe de gangue tem noções
de táticas e estratégias que fariam
dele um executivo de empresa,
empresário ou governante. Trabalha-se muito, sob intenso estresse, com os mais variados riscos, o que exige foco, disciplina e
habilidade de gestão de equipes.
Não estamos apenas desperdiçando talentos de possíveis futuros músicos, médicos, engenheiros, empresários, mas transformando-os em inimigos da sociedade, gente que nada constrói, só
destrói. Ou seja, o custo social é
dobrado.
Na semana passada, assistimos
à mais contundente investigação
já realizada sobre a violência que
atinge crianças e adolescentes no
Brasil, com a divulgação, no
"Fantástico", das gravações feitas
pelo rapper MV Bill e o produtor
Celso Athayde sobre o tráfico de
drogas. É o marco mais importante na cobertura jornalística sobre a delinqüência juvenil.
O envolvimento dos adolescentes no tráfico de drogas e seu extermínio ressaltam a mais grave
armadilha social brasileira: os
milhões de jovens sem perspectiva. É o preço mais alto de toda a
nossa história de exclusão, de deficiência escolar e de baixo crescimento econômico. Segundo estatísticas oficiais, 27% dos jovens
entre 15 e 24 anos não trabalham
nem estudam em apenas oito regiões metropolitanas. Isso significa 1,7 milhão de desesperançados.
Justamente nesse contexto alguns
dos mais empreendedores e mais
inteligentes serão recrutados pelas quadrilhas.
Na semana passada, foram divulgados estudos do Ministério
da Educação e do IBGE dando
pistas sobre alguns dos ingredientes que produzem essa desesperança. Apenas 11% das crianças
estão em creche, os alunos de escolas pública têm aulas mais curtas e estudam em salas superlotadas. Em 2004, 15 em cada 100 alunos do ensino médio abandonaram a escola; isso representa 1,4
milhão de cidadãos condenados à
baixa escolaridade.
Se em um ínfimo grupo de 51 escolas públicas encontramos 11 superdotados, quantos haveria
num universo de 1,7 milhão de jovens que não trabalham nem estudam? Sempre vale repetir um
magnífico ditado: se você acha
que educação custa caro, tente
calcular o preço da ignorância.
Um desses custos apareceu nos
vídeos de MV Bill e Celso Athayde
- dos 16 meninos acompanhados nessa investigação, 15 morreram e o outro está preso. Ou em
cenas que não foram divulgadas,
como a de uma menina de nove
anos fazendo sexo oral num traficante para ganhar em troca cocaína.
P.S- Estou cada vez mais convencido de que o problema da
violência é mescla da pobreza
com a destruição de laços afetivos
das crianças e dos jovens; essa
destruição é o que os remete para
o mundo da invisibilidade. Daí
que o desajuste familiar é uma
das bases da violência. Não iremos muito longe sem educar as
famílias, oferecer atenção desde o
momento em que a criança nasce
(por isso é tão prejudicial o número baixo de matriculados na creche), transformar a escola em
centro comunitário e garantir
meios de expressão através das
mais diversas formas. O próprio
MV Bill é um exemplo: ele sabe
que, não fosse a música, poderia
ter sido mais um daqueles meninos assassinados que filmou.
Nunca se produziu no país um
plano consistente para evitar a
delinqüência juvenil. Quantos filmes e livros terão de ser lançados
para que se monte um plano articulado em todos os níveis para
enfrentar nossa guerra civil? Lamento informar, mas só crescimento econômico, geração de
empregos e mais repressão não
resolverão, nem remotamente, essa guerra.
@ - gdimen@uol.com.br
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