São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2010

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ANÁLISE

Julgar ou ser julgado é muito perigoso

LUIS FRANCISCO CARVALHO FILHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quem são as sete pessoas responsáveis pelo destino de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá? Quatro mulheres e três homens. É só. De onde são, o que fazem, o que pensam? Vivenciaram alguma situação capaz de influenciar a decisão a favor de um ou outro lado? Ninguém sabe.
Há entre eles algum habitante de uma das favelas da região de Santana -bairro de maior verticalização e valorização de São Paulo nos últimos tempos? Provavelmente não. Favelados costumam conhecer filas de hospital e o setor de visita de penitenciárias.
São filhos, noras ou genros, enfim, herdeiros culturais das Senhoras de Santana, mulheres que se notabilizaram na década de 80 pelas manifestações a favor da censura e contra a permissividade das novelas da Rede Globo?
São habitantes típicos da classe média de Santana, acostumados a cruzar indiferentes um dos mais sujos rios do mundo e, durante muito tempo, passar diante do mais insalubre presídio do planeta, hoje transformado em parque e biblioteca hi-tech, para chegar em casa? São funcionários públicos?
Há entre eles parentes de policiais que, apesar do salário modesto, têm carros importados e registrados em nome de terceiros? São pessoas com sentimento igual aos das que se acotovelam na porta do fórum em busca de uma senha para estar na mesma plateia que Gloria Perez, também vítima de uma tragédia criminal e escritora de novelas da Globo, outrora combatidas pelas Senhoras de Santana?
Espetáculo. É o julgamento do ano, e o ano ainda está no começo. Empurra-empurra de jornalistas. Comoção. Pelo menos uma lágrima verteu dos olhos de uma das juradas, emocionada com o depoimento da mãe da criança morta, mulher que, para a indignação do público solidário, permaneceu durante dias em uma espécie de cativeiro imposto pela defesa.
Peritos mostram detalhes de um caso que não tem testemunha presencial. Mistério. Gotas de sangue. Sinais de estrangulamento. Fiapos de rede. Tesoura. Camisetas. Maquete. O defensor hostilizado por populares. Especialistas explicam procedimentos, falas, expectativas. O Twitter bombando na internet.

Sem fórmula
Há quem defenda o júri porque os julgamentos são feitos por pessoas iguais. Há quem combata o júri justamente porque os julgamentos são feitos por pessoas iguais. Iguais a quem? Um juiz ou uma juíza de verdade estariam mais equidistantes do que as sete pessoas desconhecidas e recrutadas sabe-se lá de onde? Sua atuação não poderia também estar contaminada pelo clamor? Um juiz de direito também não poderia ser herdeiro das Senhoras de Santana? Não há fórmula para um julgamento perfeito.
Ninguém sabe quem são os jurados. É estranho. Querem protegê-los. Mas protegê-los de quê? Não parece razoável que, em um ambiente de revelação total, a identidade dos julgadores permaneça oculta. Qual é o universo desse sorteio? São mesmo representativos da sociedade? Defesa e acusação conhecem seus nomes, suas profissões, a idade, mas é suficiente? Conhecem sua vida, suas dores, seus ideais? Julgar ou ser julgado é perigoso. Muito perigoso.


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