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HABITAÇÃO
Lideranças decidem mobilizar ocupações simultâneas de prédios públicos e realizar manifestações em série em maio
Sem-teto critica Lula e promete invasões
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A NOVA IGUAÇU
Lideranças de movimentos dos
sem-teto de todo o país decidiram
realizar invasões simultâneas a
prédios públicos e manifestações
nas principais capitais para pressionar o governo federal a aprovar um fundo de financiamento
para famílias com renda de até
três salários mínimos.
"Cadê o dinheiro para os ministérios da área social funcionarem?", cobra a líder dos sem-teto
de São Paulo, Verônica Kroll. "Somos radicalmente contra a continuidade da política econômica.
Não foi para isso que elegemos o
Lula", afirma o reverendo Marcos
Cosmo, líder do movimento em
Pernambuco. "Falta coragem a
esse presidente", diz Dinarte Torres Cruz, do Rio Grande do Norte.
Animadas com a mobilização
do dia 19, quando invadiram prédios e realizaram manifestações,
as lideranças dos sem-teto querem mais. Já marcaram na agenda: dia 12 de maio, Dia Nacional
de Luta pela Moradia Popular.
Enquanto caravanas de ônibus
estiverem indo a Brasília entregar
ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva uma carta de reivindicações,
prédios serão invadidos e mais
passeatas ocuparão as ruas.
A decisão foi tomada por 430 lideranças do movimento nacional
pela moradia popular, que se reuniram na sexta-feira e no sábado
no Centro de Formação de Líderes da Diocese de Nova Iguaçu, na
Baixada Fluminense.
Incêndio à vista, o governo se
mexeu. O ministro das Cidades,
Olívio Dutra, foi ao encerramento
do encontro. Considerado pelo
movimento como um aliado, ele
foi recebido aos gritos de "ocupar,
resistir, construir".
Em discurso de uma hora, falou
das lutas históricas, dos vínculos
do governo Lula com os movimentos populares, saudou jovens
militantes e lembrou (olhos marejados e voz embargada) antigos.
Resumo: enquanto um Dutra
"histórico" apoiava o movimento, o Dutra atual, presenteado
com uma camiseta dos sem-teto,
não vestiu a blusa e adiou para
2005 a maior das reivindicações
do movimento: a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, para atender quem
ganha até três salários mínimos.
Os sem-teto explicam a recepção calorosa a Dutra: "O governo
Lula tem dois braços: o direito, do
ministro [Antonio] Palocci [Fazenda], e o esquerdo, que tem Dutra entre os mais aguerridos. Enquanto a cabeça desse corpo não
se resolve, precisamos nos mexer.
Acabou o tempo de esperar", resume o líder Cosmo, da ala autodenominada "progressista" da
Igreja Anglicana. Ele fala em invadir de "cinco a seis" prédios em
Recife no próximo dia 12.
Protesto financiado
O governo tem tentado ficar de
bem com os movimentos de moradia. Além da presença de Dutra,
nas faixas e sacolinhas do encontro viam-se as logomarcas da Caixa Econômica Federal e da União.
Principal alvo dos ataques dos
sem-teto, o banco "investiu" R$
20 mil no encontro. O movimento
afirma que a instituição tem discriminado famílias que ganham
até cinco salários mínimos e que
respondem por 90% do déficit de
6,6 milhões de moradias.
Evaniza Rodrigues, 34, militante do movimento há 16 anos e hoje chefe-de-gabinete da Secretaria
Nacional de Programas Urbanos
do Ministério das Cidades, diz
que o governo quer "qualificar
seus interlocutores". A "qualificação" desejada expressou-se nas
reuniões dos grupos de trabalho,
entremeadas por cantos e danças.
Homenageou-se Zumbi dos
Palmares, cantou-se a música
preferida de Fidel Castro, um louvor a Che Guevara, e, óbvio, entoaram-se os versos da indefectível "Para Não Dizer que Não Falei
das Flores", de Geraldo Vandré.
No fim do encontro, aprovou-se
a pauta de reivindicações para ser
levada a Lula e aos governos estaduais e municipais, a eleição de
uma direção nacional e a realização das jornadas de luta em 12 de
maio, 3 de junho e 7 de setembro.
Durante uma greve em 1980,
quando Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, um dos gritos de guerra dos
operários era: "Com Lula ou sem
Lula, a luta continua". Ontem, a
militante sem teto Carmelita Alves, de São Paulo, repetia o bordão. Mudou um pouco o sentido.
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