São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2004

Próximo Texto | Índice

HABITAÇÃO

Lideranças decidem mobilizar ocupações simultâneas de prédios públicos e realizar manifestações em série em maio

Sem-teto critica Lula e promete invasões

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A NOVA IGUAÇU

Lideranças de movimentos dos sem-teto de todo o país decidiram realizar invasões simultâneas a prédios públicos e manifestações nas principais capitais para pressionar o governo federal a aprovar um fundo de financiamento para famílias com renda de até três salários mínimos.
"Cadê o dinheiro para os ministérios da área social funcionarem?", cobra a líder dos sem-teto de São Paulo, Verônica Kroll. "Somos radicalmente contra a continuidade da política econômica. Não foi para isso que elegemos o Lula", afirma o reverendo Marcos Cosmo, líder do movimento em Pernambuco. "Falta coragem a esse presidente", diz Dinarte Torres Cruz, do Rio Grande do Norte.
Animadas com a mobilização do dia 19, quando invadiram prédios e realizaram manifestações, as lideranças dos sem-teto querem mais. Já marcaram na agenda: dia 12 de maio, Dia Nacional de Luta pela Moradia Popular.
Enquanto caravanas de ônibus estiverem indo a Brasília entregar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma carta de reivindicações, prédios serão invadidos e mais passeatas ocuparão as ruas.
A decisão foi tomada por 430 lideranças do movimento nacional pela moradia popular, que se reuniram na sexta-feira e no sábado no Centro de Formação de Líderes da Diocese de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Incêndio à vista, o governo se mexeu. O ministro das Cidades, Olívio Dutra, foi ao encerramento do encontro. Considerado pelo movimento como um aliado, ele foi recebido aos gritos de "ocupar, resistir, construir".
Em discurso de uma hora, falou das lutas históricas, dos vínculos do governo Lula com os movimentos populares, saudou jovens militantes e lembrou (olhos marejados e voz embargada) antigos.
Resumo: enquanto um Dutra "histórico" apoiava o movimento, o Dutra atual, presenteado com uma camiseta dos sem-teto, não vestiu a blusa e adiou para 2005 a maior das reivindicações do movimento: a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, para atender quem ganha até três salários mínimos.
Os sem-teto explicam a recepção calorosa a Dutra: "O governo Lula tem dois braços: o direito, do ministro [Antonio] Palocci [Fazenda], e o esquerdo, que tem Dutra entre os mais aguerridos. Enquanto a cabeça desse corpo não se resolve, precisamos nos mexer. Acabou o tempo de esperar", resume o líder Cosmo, da ala autodenominada "progressista" da Igreja Anglicana. Ele fala em invadir de "cinco a seis" prédios em Recife no próximo dia 12.

Protesto financiado
O governo tem tentado ficar de bem com os movimentos de moradia. Além da presença de Dutra, nas faixas e sacolinhas do encontro viam-se as logomarcas da Caixa Econômica Federal e da União.
Principal alvo dos ataques dos sem-teto, o banco "investiu" R$ 20 mil no encontro. O movimento afirma que a instituição tem discriminado famílias que ganham até cinco salários mínimos e que respondem por 90% do déficit de 6,6 milhões de moradias.
Evaniza Rodrigues, 34, militante do movimento há 16 anos e hoje chefe-de-gabinete da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, diz que o governo quer "qualificar seus interlocutores". A "qualificação" desejada expressou-se nas reuniões dos grupos de trabalho, entremeadas por cantos e danças.
Homenageou-se Zumbi dos Palmares, cantou-se a música preferida de Fidel Castro, um louvor a Che Guevara, e, óbvio, entoaram-se os versos da indefectível "Para Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré.
No fim do encontro, aprovou-se a pauta de reivindicações para ser levada a Lula e aos governos estaduais e municipais, a eleição de uma direção nacional e a realização das jornadas de luta em 12 de maio, 3 de junho e 7 de setembro.
Durante uma greve em 1980, quando Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, um dos gritos de guerra dos operários era: "Com Lula ou sem Lula, a luta continua". Ontem, a militante sem teto Carmelita Alves, de São Paulo, repetia o bordão. Mudou um pouco o sentido.


Próximo Texto: Moacyr Scliar: Sono invencível, sonho impossível
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.