São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 2011

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JAIRO MARQUES

Para Valentina


Por mais severo que seja o comprometimento físico, a pessoa recria, se quiser, o modo de sentir e dar prazer


"DIFINITIVAMENTE", como diria minha tia Filinha, uma das lendas mais nada a ver criadas sobre o povo com deficiência é a de que somos incapazes de fazer menino.
E isso já me tirou de bons lençóis, com certeza. Eu sei lá de onde saiu tal lorota, mas o fato é que incapacidade motora dos membros inferiores não guarda relação, necessariamente, com "brochagem" eterna das faculdades de baixo.
O "serumano" que não anda pode sim se divertir com a parceira ou o parceiro a noite toda, mesmo que seja jogando baralho, bingo, ou mesmo rolando de cá para acolá agarradinhos.
E que atire a primeira camisinha o casal que não tenha curtido uma diversão noturna à base de prazeres lúdicos, apenas, em algumas ou em várias oportunidades.
Quem ainda vê o sexo como uma prática absolutamente mecânica de pernas e quadris "rebolativos" em busca de segundos explosivos e olhinhos virados está por fora. Transar é muito mais gostoso quando envolve a pele, palavrinhas e palavrões.
Tem gente, inclusive, que acha que sexo bom é aquele que começa nos pés ... da cama. Ousar e inventar são as chaves do sucesso no mundo moderno, pelo que dizem.
Por mais severo que seja o comprometimento físico de uma pessoa, ela reinventa, se quiser, sua maneira de sentir e dar prazer. Talvez o corpo não permita mais promover saltos olímpicos, mas há sempre uma maneira de brincar de ondinhas calmas que vão levar o barquinho à praia da mesma forma que motores poderosos.
Mas essa conversa toda é em razão de, há 15 dias, ter nascido Valentina, feita juntando o amor de Carlos, que é "tetrão" -com prejuízo dos movimentos de quase todo o esqueleto- com o de Maysa, a principio sua fisioterapeuta, depois sua companheira para o chamado "todo o sempre".
Graças aos médicos geneticistas, que estão mais exibidos que vaca na Índia, é possível fazer um bebê todo lindo com um pedacinho da gravata do papai e outro da saia da mamãe.
Se a deficiência por ventura comprometeu a fábrica da essência da vida, não há razão para chorar as pitangas nos dias atuais.
O "seu dotô" é capaz de extrair os poderes guardados, colocar tudo no liquidificador, depositar no ventre da mulher e, depois de nove meses, está lá aquele chorinho fofo.
Ah, e mulheres com deficiência também podem gerar bebês super de boa. Um aparelho motor avariado não representa, em todos os casos, o brinquedo reprodutor enguiçado para sempre. Em tempos em que o homem anda gostando mesmo mais de cão do que de gente, a chegada de Valentina joga luz na esperança de ainda existir um bocado de pessoas querendo perpetuar a raça humana e acreditando nela. Sobrepondo supostos limites "técnicos", tudo fica ainda mais "maraviwonderful".
Hoje em dia, são dezenas as combinações de casais que "ousam" a lógica do amor certinho: há cegos gamados por surdos, há gente completinha caindo de paixão por abatidos da guerra, há cadeirantes que guardam duas cadeiras na Kombi.
O que ninguém se impede mais, ou não pode se impedir, é de sonhar com suas Valentinas.

jairo.marques@grupofolha.com.br

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