São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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DANUZA LEÃO

Será o mundo gay conservador?

O mundo tem passado por grandes transformações. As mulheres adquiriram uma liberdade hoje aceita e respeitada por todos -quase todos- e a queima dos sutiãs foi apenas o primeiro passo. Mas foi na cabeça delas -de muitas, pelo menos- que aconteceu a transformação maior. Já existem as que têm a coragem de não querer casar nem morar junto, nem ter filhos -ou tê-los sem jamais revelar quem é o pai; e, quando o amor é grande, podem optar por morar na mesma casa, em casas separadas, mas, em número cada vez maior, sem morar junto nem casar.
O mundo gay obteve muitas conquistas: se organizou, já existe o dia oficial do Orgulho Gay, com passeatas nas grandes cidades do mundo, e muitos tiveram a coragem pessoal e maior: sair do armário. Para os que não conhecem a expressão, sair do armário significa assumir sua opção sexual diante dos amigos, da família e do mundo -palmas para eles. Até o presidente Fernando Henrique Cardoso outro dia empunhou a bandeira do arco-íris, simbolizando sua simpatia pela causa de legalizar a união civil entre gays -e até hoje ninguém duvidou da masculinidade de FHC.
Tudo bem, tudo maravilhoso, mas só para a gente poder entender: no momento em que os sexos mais tradicionais dispensam o tal papel, por que razão os homossexuais dão tanto valor a ele?
Problemas de herança? Não. Qualquer pessoa pode fazer um testamento deixando seus bens -se tiver filhos, 50% deles- para quem quiser: seu animal de estimação, uma instituição de caridade, seu companheiro/companheira.
Para que um dos parceiros se vista de noiva? Não. Nos países onde são permitidos os casamentos entre homossexuais, nunca um dos cônjuges foi fotografado vestido de noiva -eu, pelo menos, nunca vi. Continua a dúvida: por quê?
Para que os filhos levem o sobrenome do pai? Bem, presume-se que dessa união não nasçam filhos -mas nunca se sabe-, e a lei admite que uma criança, mesmo nascida de um pai casado com outra possa dar seu sobrenome -e dividir a herança- entre os filhos, desde que provada a paternidade, o que hoje não é difícil. Para que, no caso de morte de um dos parceiros, o outro possa receber a pensão? Bem, presume-se que os dois trabalhem e que tenham direito à sua própria aposentadoria, quando chegar a hora. O mundo gay foi altamente responsável -no melhor sentido- pela quebra de preconceitos e tabus, dando uma lição ao mundo, que hoje em dia aceita que cada um faça sua opção sexual livremente e seja respeitado até pelas mais altas autoridades (com algumas exceções, como o presidente Bush, o candidato Garotinho e provavelmente Luiz Felipe Scolari, o Felipão).
Nada contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo; apenas curiosidade sobre a importância do casamento para eles.
Não existe nada menos careta do que o mundo gay; afinal, foi esse mundo que mais se arriscou e quebrou resistências para ser aceito, alguns com grande sofrimento, mas com enorme coragem e muito sucesso. Lutar para ter um direito que está sendo deixado de lado pelos outros sexos, em todos os países do mundo, para quê? Dá para suspeitar que, quando o amor chega, todos temos um coração suburbano que, lá no fundo, deseja um casamento de papel passado, igualzinho às famílias conservadoras, burguesas e preconceituosas. E o mundo gay, que tanto lutou contra o conservadorismo, a burguesia e o preconceito, também, também quer uma cerimônia com a presença da família e dos amigos, com direito a festa com champanhe, bolo e várias bandejas de bem-casados.
A vida é complicada.

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danuza.leao@uol.com.br


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