São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INFÂNCIA

Rede de prostituição alicia menores em Manaus; jovens confirmam existência de rota internacional de tráfico

Quadrilha exporta meninas para Venezuela e Guiana

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Meninas de 14 e 17 anos estão sendo aliciadas em Manaus para participar de um esquema internacional de prostituição, que passa por Boa Vista (RR) e tem como destino cidades fronteiriças da Guiana e da Venezuela.
Policiais da Delegacia Especializada na Assistência e Proteção a Criança e Adolescência de Manaus, e da Delegacia da Mulher em Boa Vista (RR), colheram 34 depoimentos em seis inquéritos -sendo 25 de menores- que confirmam a existência da rota internacional de prostituição.
Vinte e nove adolescentes foram recrutadas em Manaus, cidade preferida dos aliciadores.
Uma comissão composta de representantes de organizações não-governamentais, do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Roraima vai se reunir em Santa Elena Uairén, cidade fronteiriça da Venezuela, com autoridades locais para discutir o problema.
"O esquema envolve muito gente de poder. É uma quadrilha internacional. Temos de ir até o fim", diz a delegada Graça da Silva, de Manaus.
Os depoimentos das meninas revelam as estratégias dos aliciadores: eles fazem o primeiro contato em casas de shows, lanchonetes e escolas de Manaus. Prometem ganhos de até R$ 100 por dia e nem sempre revelam que as garotas terão de se prostituir.
"O Junior [Waldir Nonato dos Santos Filhos, um dos acusados] me levou à casa dele para ver o meu corpo. Dizia aos clientes que eu havia perdido a virgindade fazia pouco tempo.", disse T.S., 16.
"Conheci um cara em uma boate de Manaus. Ele me convidou para ir à Venezuela. Prometeu que eu ganharia bem. Aceitei e adulterei minha identidade para 19 anos", contou R.A., 14, em depoimento à polícia.
Quatro pessoas citadas em 14 depoimentos já foram indiciadas por favorecimento a prostituição na delegacia de Manaus: Rozilda Maria de Lima, a Kika, 37, e Leonor Cabral Icassatti, 40, proprietárias das boates Afrodite e MC (Meninas Carinhosas) com filiais na Venezuela. Os outros são o desempregado Sebastião André Silva Costa, 27, e o cabeleireiro Júnior, 18. Ele negam as acusações.
Os aliciadores pagam as passagens de ônibus para Boa Vista e colocam as adolescentes dentro dos ônibus interestaduais à noite para driblar a fiscalização do juizado de menores.
Para o pesquisador sobre tráfico de crianças e adolescentes Macel Hazeu, Manaus virou uma cidade que exporta meninas. "A rota do tráfico internacional na Amazônia se intensificou", disse. "É um quadro muito grave. Nos municípios não há política de enfrentamento dessa situação. Não existe controle nas fronteiras e os documentos são falsificados, o que facilita a saída das meninas do país", disse Hazeu.
Pelos depoimentos é possível traçar um perfil preliminar das meninas: são de classe média baixa, usam celulares e frequentam a escola e os shoppings de Manaus.
Uma situação que preocupa a políciais é que poucas famílias prestam queixa a exemplo do que fez a dona-de-casa Cleide Marinho. "Minha filha foi seduzida. O que estão fazendo com as crianças é um crime", disse.
Depois de entrarem no esquema, as meninas são tratadas como escravas: deixam quase todo o dinheiro que ganham com os "agentes" que marcam os encontros, não podem sair na rua e são constantemente ameaçadas pelos seguranças das boates.
"Quis voltar à Manaus, fiquei dois dias trancada num quarto, sem comer ou beber como forma de castigo. Sem opção aceitei fazer o programa", conta D.C.O., 17.
O Conselho Tutelar da Criança e Adolescência da Zona Leste, em Manaus, estima que 5.000 adolescentes estão se prostituindo.
"Famílias desestruturadas e o aliciamento dentro da própria casa contribuem para a explosão de casos. Os aliciadores estão até dentro das escolas, por meio de amigas que fazem programas. É uma situação de calamidade", afirma o conselheiro municipal Norberto Duarte.


Texto Anterior: Amazônia: Xapuri produz coleção ecológica de móveis
Próximo Texto: Outro lado: "Elas vêm pra cá porque querem", afirma acusada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.