São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

O mito USP está chegando ao fim?

Considerada um dos mais importantes centros de excelência da América Latina, a Universidade de São Paulo aparece menos nos jornais pelas suas pesquisas acadêmicas do que pelas manifestações de professores e de alunos, inconformados com o salário e com o nível de ensino.
Na semana passada, por exemplo, os professores anunciaram uma paralisação por melhores salários, enquanto os alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), em greve, chamavam a atenção para as sofríveis condições de ensino da USP -entre os problemas, a falta de professores.
Para quem viveu altas doses de estresse para entrar na USP, a falta de professores é uma decepção monumental. Diante desses comentários boca a boca dos estudantes e da rotina do noticiário sobre a crise, o mito da USP sofre abalos diante dos vestibulandos? Ou seja, eles começam a pensar em alternativas?

Para responder a essa questão, fiz uma pesquisa com coordenadores e professores de 15 escolas de elite de São Paulo, entre elas Santa Cruz, Dante Alighieri, Santo Américo, Santa Maria, Bandeirantes, Lourenço Castanho, Augusto Laranja, Equipe e Nossa Senhora das Graças. São escolas cujos alunos têm mais condições de entrar nas melhores faculdades -e a maioria deles de pagar altas mensalidades.
O fato inequívoco: a USP ainda inspira respeito, especialmente nas áreas de exatas e de biológicas, mas o mito está abatido. Uma fatia expressiva dos candidatos vindos dessas escolas, especialmente os que optam pela área de humanas, nem sequer coloca a USP como primeira opção -prefere faculdades privadas.

Coordenador pedagógico do terceiro ano do ensino médio do colégio Lourenço Castanho, Wagner Borja diz: "Poucos alunos nossos ainda alimentam a idéia de que a USP é um centro de excelência". Eles fazem visitas monitoradas à Cidade Universitária e sentem-se incomodados. "Muitos desaprovam as instalações. Os prédios estão em péssimas condições de conservação, há bibliotecas abandonadas e vazamentos de água em diversos pontos", lamenta.
"Os estudantes que querem cursar arquitetura ficaram decepcionados com o estado do prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo", informa Onofre Rosa, coordenador pedagógico do Colégio Bandeirantes, onde, entre os que vão seguir carreira na área de humanas, foi detectada a tendência de deixar a USP como segunda opção. "Professores da USP se aposentam e dão aulas nas faculdades particulares. Isso sugere a possibilidade de excelência fora das instituições públicas", acrescenta o coordenador pedagógico.

Em uma pesquisa com 77 estudantes, Eduardo Roberto Castor, diretor do colégio Nossa Senhora das Graças, constatou que a fama da universidade pública ainda pesa e faz com que ela permaneça sendo a primeira opção. Mas o mito está abalado. Estudantes que sonham em fazer um curso de humanas chegaram a sugerir, na pesquisa, a possibilidade de adiar o ingresso na USP até a situação melhorar.
Thomas Gaia, 17 anos, é presidente do grêmio do colégio Santa Maria. Ainda não sabe se vai cursar relações internacionais ou jornalismo. "Sei que, se me der bem no vestibular, vou para a USP", disse, ressalvando que, não fosse pelo dinheiro, optaria por uma faculdade privada. "Nós ficamos assustados com a quantidade de greves e de paralisações."
Faculdades privadas, de olho no competitivo mercado, estão pagando bons salários aos professores e desfalcam as instituições públicas. Oferecem melhores condições de ensino e adaptam-se mais rapidamente às exigências do mercado. É o que já se vê com nitidez em áreas como administração de empresas, economia, direito, psicologia, jornalismo, marketing e publicidade. Estão surgindo núcleos de excelência em arquitetura e odontologia fora da universidade pública, além de uma série de cursos sequenciais, de curta duração, voltados à profissionalização: gastronomia, informática, moda e webdesign, por exemplo.

O estudante pensa o óbvio: quer a faculdade que mais o ajude a colocar-se no mercado de trabalho. Se tiver como bancar a mensalidade -caso da elite que já paga muito pela escola de ensino médio-, vai optar por uma instituição privada.
O ensino fundamental e médio piorou por vários motivos. Entre eles, o afastamento da elite, que foi parar nas escolas privadas. Salvo raras exceções, somente vai para uma escola pública quem não tem dinheiro para pagar a mensalidade de uma particular. O afastamento da elite também provocou o afastamento da educação pública das prioridades nacionais.

A questão é tão simples como dolorosa: essa tendência, ainda engatinhando, revela o risco de desmoralização da universidade pública, onde se faz pesquisa, e o fortalecimento das faculdades privadas, voltadas basicamente para o ensino. Colocar em risco centros de produção científica é, como todos sabem, colocar em risco o desenvolvimento de uma nação.
A verdade é que a própria universidade pública está sendo uma das colaboradoras da privatização do ensino.

PS - A pesquisa com as 15 escolas de São Paulo está na página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br.

E-mail -
gdimen@uol.com.br

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