São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005

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"Se a água subisse mais, eu poderia morrer afogado"

Saí da redação por volta das 23h30, rumo à minha casa, em Mauá (ABC Paulista). Chovia, mas o trânsito fluía bem. Às 23h50, estava na avenida do Estado, ao lado do rio Tamanduateí, quando dois veículos me ultrapassaram, jogando água sobre meu Corsa. O carro afogou e parou. Como não pude fazê-lo funcionar, tentei acionar a seguradora pelo celular.
Aguardei por quatro minutos no telefone por atendimento e desisti. De dentro do carro, liguei para meus familiares e minha namorada. Achava que em alguns minutos seria socorrido.
Comecei a ficar mais tenso ao constatar que a chuva aumentava. De repente, o Tamanduateí começou a transbordar. A água do rio já atingia o carro em ondas. A água começava a invadir o veículo. Fui até uma metalúrgica. No portão do prédio, há três degraus, sob um toldo. Ali, me protegendo da chuva, percebi a aproximação de alguém. Marcos, 29, mora na rua e dividiu comigo o drama do alagamento.
Vendo a água subir e invadir meu carro, lamentei pelos CDs e pela bolsa com material de trabalho. Mais alguns minutos e passei a lamentar pelo próprio carro, embora ele tenha seguro: faltavam só 30 cm para que fosse totalmente encoberto.
Falei novamente com meus familiares, que tentavam em vão acionar a seguradora e a bateria do celular acabou. A água já nos obrigava a passar para o terceiro e mais alto degrau. E a chuva aumentava. Alcançava minhas canelas e, em 15 minutos, chegou às coxas. Esmurrei a porta da metalúrgica, na esperança de que algum vigia atendesse. Em vão.
Já não lembrava dos CDs, da bolsa ou do carro, agora totalmente submerso. Temia pela vida. Calculei que, se a água continuasse a subir naquele ritmo, poderia morrer afogado.
Ao meu lado, Marcos vivia um drama pior. Ele vestia sua única roupa e carregava, numa sacola que precisava segurar no alto para não molhar, seus únicos pertences: remédios e instrumentos de trabalho. Cheguei a segurar a sacola, para ele descansar. Por volta das 2h, a água parou de subir. Já atingia os bolsos da minha calça e a barriga de Marcos.
Passei a observar os objetos que boiavam ao nosso redor: três garrafas de pinga, uma tábua e até um sofá.
Passava das 4h quando um bote com bombeiros passou à nossa frente. Como estávamos escondidos pelas quatro árvores em frente à metalúrgica, precisei gritar para chamá-los. Por duas vezes, tive a impressão, reforçada pelo nervosismo dos bombeiros, de que o bote pudesse ser levado pela correnteza.
Cheguei são e salvo. Em 15 minutos, estava em casa, tomando um banho quente. Pensei em Marcos: ele ainda teria muitos dramas pela frente.


Cesar Camasão é editor de São Paulo/Polícia do jornal "Agora"

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