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"Se a água subisse mais, eu poderia morrer afogado"
Saí da redação por volta das
23h30, rumo à minha casa, em
Mauá (ABC Paulista). Chovia,
mas o trânsito fluía bem. Às
23h50, estava na avenida do
Estado, ao lado do rio Tamanduateí, quando dois veículos me
ultrapassaram, jogando água
sobre meu Corsa. O carro afogou e parou. Como não pude
fazê-lo funcionar, tentei acionar a seguradora pelo celular.
Aguardei por quatro minutos
no telefone por atendimento e
desisti. De dentro do carro, liguei para meus familiares e minha namorada. Achava que em
alguns minutos seria socorrido.
Comecei a ficar mais tenso ao
constatar que a chuva aumentava. De repente, o Tamanduateí começou a transbordar. A
água do rio já atingia o carro
em ondas. A água começava a
invadir o veículo. Fui até uma
metalúrgica. No portão do prédio, há três degraus, sob um
toldo. Ali, me protegendo da
chuva, percebi a aproximação
de alguém. Marcos, 29, mora
na rua e dividiu comigo o drama do alagamento.
Vendo a água subir e invadir
meu carro, lamentei pelos CDs e
pela bolsa com material de trabalho. Mais alguns minutos e
passei a lamentar pelo próprio
carro, embora ele tenha seguro:
faltavam só 30 cm para que
fosse totalmente encoberto.
Falei novamente com meus
familiares, que tentavam em
vão acionar a seguradora e a
bateria do celular acabou. A
água já nos obrigava a passar
para o terceiro e mais alto degrau. E a chuva aumentava.
Alcançava minhas canelas e,
em 15 minutos, chegou às coxas.
Esmurrei a porta da metalúrgica, na esperança de que algum
vigia atendesse. Em vão.
Já não lembrava dos CDs, da
bolsa ou do carro, agora totalmente submerso. Temia pela vida. Calculei que, se a água continuasse a subir naquele ritmo,
poderia morrer afogado.
Ao meu lado, Marcos vivia
um drama pior. Ele vestia sua
única roupa e carregava, numa
sacola que precisava segurar no
alto para não molhar, seus únicos pertences: remédios e instrumentos de trabalho. Cheguei
a segurar a sacola, para ele descansar. Por volta das 2h, a
água parou de subir. Já atingia
os bolsos da minha calça e a
barriga de Marcos.
Passei a observar os objetos
que boiavam ao nosso redor:
três garrafas de pinga, uma tábua e até um sofá.
Passava das 4h quando um
bote com bombeiros passou à
nossa frente. Como estávamos
escondidos pelas quatro árvores
em frente à metalúrgica, precisei gritar para chamá-los. Por
duas vezes, tive a impressão,
reforçada pelo nervosismo dos
bombeiros, de que o bote pudesse ser levado pela correnteza.
Cheguei são e salvo. Em 15
minutos, estava em casa, tomando um banho quente. Pensei em Marcos: ele ainda teria
muitos dramas pela frente.
Cesar Camasão é editor de São Paulo/Polícia do jornal "Agora"
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