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OPINIÃO
Estação Paulista na Consolação e a Consolação na av. Paulista
CHICO MATTOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Julio Cortázar adorava o
metrô. Para o escritor argentino, estar num trem sob a
terra mexe de tal modo com a
nossa percepção que, dentro
do vagão, os poucos segundos que separam duas estações podem ser uma eternidade.
Não sei se os administradores do metrô paulistano já
leram Cortázar. De todo modo, agora nosso escasso underground ganha uma gotinha de realismo fantástico,
com a nova estação Paulista,
na rua da Consolação, a poucos metros da estação Consolação, localizada na... avenida Paulista.
São Paulo ganhou de presente um monumento ao
nonsense. Um amigo inteligente me explicou que é isso
mesmo, nas cidades com malha metroviária mais extensa
as estações costumam ser batizadas com o nome de ruas
transversais. Em São Paulo já
existem alguns exemplos,
como a estação Brigadeiro.
Aceito o argumento, mas a
regra não deveria se aplicar a
estações vizinhas. Solução
simples seria rebatizar a estação Consolação, que poderia
apropriadamente chamar-se
Augusta. Mas isso tudo é insignificante, detalhes de ordem lógica que nada têm a
ver com as reflexões que o fato despertou em mim.
Toda grande cidade possui
uma marca, um traço distintivo, que a prefeitura explora
turisticamente. O Rio tem
suas belezas naturais; Curitiba, o planejamento urbano;
Brasília, o arrojo arquitetônico. São Paulo, há algumas
décadas, tenta se vender como capital cosmopolita, onde trabalho, cultura e diversão se harmonizam.
Talvez seja hora de admitir: não deu muito certo. Faz
algum tempo que São Paulo
precisa se reinventar. É preciso achar uma característica
que seja só nossa, que nos diferencie definitivamente. A
confusão dos nomes no metrô me deu uma ideia, que eu
gostaria de sugerir aos nossos administradores.
Não seria preciso muitas
adaptações. Já posso ver os
cartazes na saída do aeroporto: São Paulo, capital mundial da desordem. Imagino
estrangeiros em êxtase, perdidos, perambulando pelas
ruelas do centro, maravilhados com a falta de sinalização. Os folhetos turísticos. Os
mapas fora de escala. O próprio metrô poderia ter o seu,
embaralhando as estações,
fazendo de cada viagem subterrânea um mergulho vertiginoso no acaso.
Seria o nosso símbolo.
Nosso cartão de visitas. Pela
primeira vez, cumpriríamos
nossas promessas, sem desviar nem um milímetro de
nossas reais potencialidades. São Paulo tem jeito. Só
não vê quem não quer.
CHICO MATTOSO é escritor
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