São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010

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OPINIÃO

Estação Paulista na Consolação e a Consolação na av. Paulista

CHICO MATTOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Julio Cortázar adorava o metrô. Para o escritor argentino, estar num trem sob a terra mexe de tal modo com a nossa percepção que, dentro do vagão, os poucos segundos que separam duas estações podem ser uma eternidade.
Não sei se os administradores do metrô paulistano já leram Cortázar. De todo modo, agora nosso escasso underground ganha uma gotinha de realismo fantástico, com a nova estação Paulista, na rua da Consolação, a poucos metros da estação Consolação, localizada na... avenida Paulista.
São Paulo ganhou de presente um monumento ao nonsense. Um amigo inteligente me explicou que é isso mesmo, nas cidades com malha metroviária mais extensa as estações costumam ser batizadas com o nome de ruas transversais. Em São Paulo já existem alguns exemplos, como a estação Brigadeiro.
Aceito o argumento, mas a regra não deveria se aplicar a estações vizinhas. Solução simples seria rebatizar a estação Consolação, que poderia apropriadamente chamar-se Augusta. Mas isso tudo é insignificante, detalhes de ordem lógica que nada têm a ver com as reflexões que o fato despertou em mim.
Toda grande cidade possui uma marca, um traço distintivo, que a prefeitura explora turisticamente. O Rio tem suas belezas naturais; Curitiba, o planejamento urbano; Brasília, o arrojo arquitetônico. São Paulo, há algumas décadas, tenta se vender como capital cosmopolita, onde trabalho, cultura e diversão se harmonizam.
Talvez seja hora de admitir: não deu muito certo. Faz algum tempo que São Paulo precisa se reinventar. É preciso achar uma característica que seja só nossa, que nos diferencie definitivamente. A confusão dos nomes no metrô me deu uma ideia, que eu gostaria de sugerir aos nossos administradores.
Não seria preciso muitas adaptações. Já posso ver os cartazes na saída do aeroporto: São Paulo, capital mundial da desordem. Imagino estrangeiros em êxtase, perdidos, perambulando pelas ruelas do centro, maravilhados com a falta de sinalização. Os folhetos turísticos. Os mapas fora de escala. O próprio metrô poderia ter o seu, embaralhando as estações, fazendo de cada viagem subterrânea um mergulho vertiginoso no acaso.
Seria o nosso símbolo. Nosso cartão de visitas. Pela primeira vez, cumpriríamos nossas promessas, sem desviar nem um milímetro de nossas reais potencialidades. São Paulo tem jeito. Só não vê quem não quer.


CHICO MATTOSO é escritor


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