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Nas ruas do centro de São Paulo, tragada custa R$ 1
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
I., 34, tem nas mãos um
exemplar de dez anos atrás da
revista "Contigo". Gestos nervosos, ela mostra uma foto de
desfile da São Paulo Fashion
Week. Aponta uma das modelos e diz: "Sou eu."
Era. I. fuma crack.
A mulher desgrenhada de
rosto cinza-encovado tem feridas purulentas espalhadas pelas pernas e pés. Prostitui-se
em hotéis imundos e até debaixo de árvores da praça Princesa
Isabel, centro de São Paulo (R$
5 o programa). É HIV positivo.
Os policiais militares que
montam guarda na praça, a
poucos metros do local onde I.
e cerca de 200 usuários de
crack concentram-se todas as
tardes, conhecem bem esse tipo de decadência.
Citam a gerente de uma
agência bancária do bairro da
Aclimação, fluente em japonês,
que surgiu na praça há um ano,
elegante. A família foi procurá-la com uma foto de antes do
crack. Pediu ajuda aos PMs para localizá-la. Internada em
uma clínica psiquiátrica, a mulher fugiu. Voltou para o convívio do crack. Nunca mais ninguém a procurou.
Uma pedra de crack com 0,5
centímetro de raio é vendida no
local por R$ 10.
Os "noias", como são chamados os usuários da droga, no entanto, podem obtê-la no microvarejo: quem não tem dinheiro
para comprar uma pedra inteira pode comprar uma tragada
em cachimbo já preparado.
Custa R$ 1.
O policial aponta as fezes humanas espalhadas pela calçada
da antiga estação rodoviária:
"Eles perdem todos os traços
de humanidade. Defecam na
frente de todo mundo; fazem
sexo em qualquer lugar. E, se
você reclama, atacam de forma
repulsiva. Escarram em você,
abrem suas feridas, vomitam
em você."
Chuveiro
Os pedreiros que trabalham
na reforma de um antigo hotel
na rua Conselheiro Nébias, ali
bem perto, inventaram um expediente anti-"noia" -chuveiros instalados na marquise do
prédio molham a calçada de
tempos em tempos, para impedir cerca de cem crackeiros de
acampar no local com seus
"maus hábitos", como definiu
um vizinho.
Ontem à tarde, em tom desafiador, cerca de 200 (homens,
mulheres e crianças) fumavam
seus cachimbos bem debaixo
dos chuveiros.
Para um comerciante que todos os dias é obrigado a "atravessar a nuvem dos noias"
quando fecha sua loja, "eles não
são doentes. Eles são a doença
em pessoa".
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