São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 2009

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Nas ruas do centro de São Paulo, tragada custa R$ 1

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

I., 34, tem nas mãos um exemplar de dez anos atrás da revista "Contigo". Gestos nervosos, ela mostra uma foto de desfile da São Paulo Fashion Week. Aponta uma das modelos e diz: "Sou eu."
Era. I. fuma crack.
A mulher desgrenhada de rosto cinza-encovado tem feridas purulentas espalhadas pelas pernas e pés. Prostitui-se em hotéis imundos e até debaixo de árvores da praça Princesa Isabel, centro de São Paulo (R$ 5 o programa). É HIV positivo.
Os policiais militares que montam guarda na praça, a poucos metros do local onde I. e cerca de 200 usuários de crack concentram-se todas as tardes, conhecem bem esse tipo de decadência.
Citam a gerente de uma agência bancária do bairro da Aclimação, fluente em japonês, que surgiu na praça há um ano, elegante. A família foi procurá-la com uma foto de antes do crack. Pediu ajuda aos PMs para localizá-la. Internada em uma clínica psiquiátrica, a mulher fugiu. Voltou para o convívio do crack. Nunca mais ninguém a procurou.
Uma pedra de crack com 0,5 centímetro de raio é vendida no local por R$ 10.
Os "noias", como são chamados os usuários da droga, no entanto, podem obtê-la no microvarejo: quem não tem dinheiro para comprar uma pedra inteira pode comprar uma tragada em cachimbo já preparado. Custa R$ 1.
O policial aponta as fezes humanas espalhadas pela calçada da antiga estação rodoviária: "Eles perdem todos os traços de humanidade. Defecam na frente de todo mundo; fazem sexo em qualquer lugar. E, se você reclama, atacam de forma repulsiva. Escarram em você, abrem suas feridas, vomitam em você."

Chuveiro
Os pedreiros que trabalham na reforma de um antigo hotel na rua Conselheiro Nébias, ali bem perto, inventaram um expediente anti-"noia" -chuveiros instalados na marquise do prédio molham a calçada de tempos em tempos, para impedir cerca de cem crackeiros de acampar no local com seus "maus hábitos", como definiu um vizinho.
Ontem à tarde, em tom desafiador, cerca de 200 (homens, mulheres e crianças) fumavam seus cachimbos bem debaixo dos chuveiros.
Para um comerciante que todos os dias é obrigado a "atravessar a nuvem dos noias" quando fecha sua loja, "eles não são doentes. Eles são a doença em pessoa".


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