|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
A distância ajuda
Nunca entre em
nenhum bastidor de nada, para poder continuar acreditando no que vê
|
COMO são bonitas as coisas vistas à distancia, e como perdem o encanto quando vistas
de perto. Você já entrou num restaurante de luxo às 8h da manhã? Aquele lugar onde você vai toda linda tomar seu drinque, comer bem e até fazer um certo charme, de manhã é
outro mundo, com cadeiras amontoadas em cima das mesas, a cozinha
numa total desordem, às vezes até
suja, e os empregados -a turma da
manhã não faz rapapés, como os outros- esfregando o chão, passando
álcool nos copos, e as latas de lixo
cheias de flores murchas; uma deprê, eu diria.
Isso não acontece só com lugares,
mas também com pessoas. Você
acha lindo aquele intelectual charmoso, de camisa jeans, mocassim
sem meias e olheiras imensas de
tanto pensar nos mistérios da vida e
na essência do ser humano.
Só que as razões de seu olhar tão
denso podem ser outras: ele pode estar pensando no cheque especial estourado, no carro que está precisando ser trocado e na conta do cartão
de crédito que deve vir altíssima,
pois sempre pagou sem nem olhar,
faz parte do personagem. E você,
que imaginou razões mais românticas para tanta profundidade, quebrou a cara.
E depois de ter sido tanto tempo
apaixonada por Sinatra, e ainda ser
-o que é a morte, diante do amor?-,
ler numa revista que ele usava uma
peruquinha, é uma tristeza. Você sabia, como todo mundo, desse aplique, chamemos assim, mas não queria saber, porque quem ama não
quer saber de nada, a não ser se for
obrigada. E como seria Sinatra em
casa? Passaria os dias cantarolando
"My Way" e "Strangers in the
Night", como você, em seus delírios,
imaginava, ou era alguém meio ranzinza (me recuso a chamá-lo de velho), que reclamava da comida e passava os dias de pijama e robe, a léguas de distância do cantor de olhos
azuis que fez seu coração bater tanto?
Se morasse com ele, não haveria
lugar para a ilusão, e sem ela a vida
fica bem sem graça.
Quem já entrou em um estúdio de
TV ou de cinema e assistiu a uma
gravação ou filmagem se horrorizou
ao ver o que acontece por trás das câmeras, e talvez nunca mais assista a
uma novela ou, pior ainda, a um filme.
É aquele mundo de gente correndo, falando alto, o diretor tentando botar ordem na bagunça, e os cenários -ah, os cenários!- feitos de
compensado e papelão, as flores de
plástico, as atrizes com o roteiro na
mão lendo alto suas falas, tudo de
mentira, mentira na qual você e a
humanidade sempre acreditaram.
Nunca entre em nenhum bastidor
de nada, para poder continuar acreditando no que vê.
E aquele escritor que você adora?
Você, que nunca perdeu seus lançamentos, ficou na fila para pegar um
autógrafo, e não perde um só dos artigos que ele às vezes escreve nos
jornais, ficaria decepcionada se o
visse diante do computador, dizendo "ah, estou sem assunto", ou "estão faltando 20 linhas e não sei como
vou terminar". Seria uma decepção.
Ou nos atiramos de cabeça para o
que der e vier, e é assim que, dizem,
se deve viver, ou guardamos uma
certa distância das coisas e, sobretudo das pessoas, para poder continuar preservando alguma ilusão
diante da vida,
Mas será por aí? E será que vale
a pena?
danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: CNJ libertou 3.831 presos em inspeções pelo país Próximo Texto: Há 50 Anos Índice
|