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GILBERTO DIMENSTEIN
Mentiras de fumaça
Dois professores de psiquiatria, estudiosos de drogas, resolveram fazer uma experiência com suas filhas de 8 e 12
anos, enviando-as a 70 bares e
padarias de São Paulo.
Entregaram a cada uma delas dinheiro para comprar um
maço de cigarros e testar até
onde uma criança conseguiria
transgredir a lei.
Ao final de três meses, constataram que elas foram 100%
bem-sucedidas -ou seja, em
nenhum momento ouviram
uma negativa.
Professores da Universidade
Federal de São Paulo, Ronaldo
Laranjeira e Jair Mari fizeram
suas filhas confirmar estatisticamente o que já sabiam: ao
contrário das nações civilizadas, o Brasil ainda é um terreno fértil e ilimitado para a
prosperidade do tabaco.
Graças, em boa parte, à omissão oficial, inteligência publicitária e, vamos reconhecer, uma
dose de displicência da imprensa.
O ministro da Saúde, José
Serra, informa que pretende
transformar em medida provisória proibição de publicidade
do cigarro antes das 23h.
É uma medida incompleta,
mas um avanço. Incompleta
porque deveria ser proibido
usar truques para influenciar
adolescentes a fumar, associando cigarro ao sucesso, liberdade, sexo e até vida saudável.
Vou reservar o elogio ao ministro, com ressalvas, no momento em que a proibição estiver funcionando; afinal, não
foram poucas as tentativas,
mas barradas pela força do
lobby.
O jogo da indústria do fumo,
regido pelas mais modernas
técnicas de marketing, é dos
mais sujos que se pode arquitetar: querem o adolescente,
imerso numa fase de afirmação, testes de risco e limites,
imaginando-se imortal.
"Já sabemos hoje que quanto
mais cedo o indivíduo começa
a fumar, mais difícil vai ser se
libertar do vício", afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira.
Uma vez instalado o vício, o
poder de argumentos óbvios sobre o cigarro se reduz a fumaça. A melhor prova está onde
menos deveria estar: dentro
das faculdades de medicina.
Lá, afinal, qualquer contínuo
estaria supostamente consciente dos malefícios do fumo. Então, vejamos.
Um grupo de psicólogos e psiquiatras investigou os hábitos
de drogas de estudantes de dez
faculdades de medicina de São
Paulo, uma amostragem ampla. Nos últimos anos do curso,
de cada cem deles, 40 fumam
regularmente.
"É impressionante", afirma o
psiquiatra Artur Guerra, da
USP, coordenador da pesquisa.
Impressionante porque aquele público testemunha todos os
dias nos hospitais o que lê nos
livros: gente consumida pelo
câncer, por exemplo.
Numa outra pesquisa, dessa
vez na Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de
São Paulo, Ronaldo Laranjeira
detectou uma curiosidade.
Os funcionários e estudantes
fumavam menos do que os professores.
Se entre médicos encontramos uma incidência tão alta,
imagine em indivíduos sem
tanta informação e maturidade.
"A tendência da pessoa que
fuma por mais de seis semanas
é se viciar nos próximos 30
anos, pelo menos", sustenta Laranjeira, que há dois anos desenvolve um programa-piloto
público para cortar o vício do
cigarro; aliás, o programa, que
implica uso de medicamentos e
aconselhamento médico, tem
funcionado em quatro de cada
dez pacientes.
Com a pancadaria contra o
cigarro nos países desenvolvidos, especialmente nos EUA,
onde os direitos são mais respeitados, a indústria do fumo
vai concentrar ainda mais esforços nas nações pobres.
É uma forma de compensar o
prejuízo; e, claro, embora jamais reconhecido publicamente, vão tentar sempre e cada vez
mais seduzir os adolescentes.
Não faltam milhões para a
publicidade, patrocínio de
shows e festivais. Ídolos da música não se sentem constrangidos, no Brasil, em associar sua
imagem à do cigarro.
Até a próxima Bienal de Livros, em São Paulo, eles estão
patrocinando.
Incrível que tanta gente influente permaneça tanto tempo
inerte diante de um problema
tão grave de Saúde pública.
Quem dá, de fato, um belo
exemplo é a Califórnia.
Nenhum programa é tão eficaz na redução do consumo de
cigarro.
Lá, é cobrada uma quantia
em cada maço de cigarro. Com
esse dinheiro, são bancados
programas de prevenção e propaganda.
PS - Por falar em meios de
comunicação, uma pesquisa
feita pela agência de publicidade Propeg mostra que a TV, no
Brasil, vive uma monumental
crise de confiança.
Alguns resultados: 88% dizem que deveria ter menos filmes violentos; 87% reclamam
do excesso de sexo nas telas e
afirmam que os noticiários
exageram na cobertura de crimes; 82% dizem que programa
de auditório está virando
"mundo cão".
É quase consenso (88%), segundo a pesquisa, que os pais
deveriam controlar o tipo de
programação assistida pelos filhos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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