|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Suborno torna os traficantes "invisíveis"
Colombiano conseguiu ficar livre no Brasil durante 13 anos e mantinha empresa exportadora de frutas e cocaína
Para juiz, corrupção facilita impunidade; suspeitos dizem ter pago propinas de até US$ 1 milhão a policiais para manter liberdade
DA REPORTAGEM LOCAL
A passagem do traficante colombiano Gustavo Durán Bautista pelo Brasil é uma história
do gênero acredite se quiser.
Ele tinha meia dúzia de empresas que exportavam frutas para
a Europa, muitas das quais no
Nordeste brasileiro. Empregava cerca de 2.000 pessoas. Enquanto outras empresas de frutas afundavam, ele prosperava.
Seu contador disse à Polícia
Federal que Durán Bautista
tem bens avaliados em R$ 100
milhões. O segredo do sucesso
era a cocaína remetida para a
Holanda no meio das caixas de
frutas que o traficante exportava para empresas dele mesmo
-assim, não havia riscos de que
a droga fosse bisbilhotada.
O traficante estabeleceu-se
no Brasil em 1994 e nunca foi
importunado oficialmente pela
polícia nesses 13 anos. Extra-oficialmente, Bautista contou
que teve de pagar propina três
vezes a policiais de São Paulo.
O juiz federal Fausto Martin
de Sanctis frisa que não comenta casos concretos (ele é o responsável pelo julgamento de
Abadía), mas, pelos casos que já
julgou numa vara especializada
em crimes financeiros, diz: "A
corrupção permite que essas
pessoas se movimentem com
tranqüilidade. É fácil encontrar
laranjas, movimentar dinheiro
sem ser importunado e não há
controle nas fronteiras".
O próprio Abadía contou à
Polícia Federal que teve de dar
US$ 800 mil (R$ 1,6 milhão) a
policiais do Denarc (o departamento de narcóticos paulista)
para evitar que três pessoas de
seu grupo fossem presas.
Não é um caso isolado. O traficante mexicano Lucio Rueda
Bustos, preso em Curitiba em
2004, foi extorquido em US$ 1
milhão por policiais civis. Bustos integrava o cartel de Juaréz
e é acusado de planejar as pistas
nos EUA que recebiam aviões
com cocaína. Ele usava o Brasil
para lavar dinheiro. Quando foi
preso, havia reunido bens avaliados em R$ 18 milhões. Em
março, foi condenado a dez
anos de prisão por lavagem.
Não faltam leis
Não é por falta de leis contra
a lavagem de dinheiro que o
Brasil tornou-se destino preferencial de narcotraficantes, na
opinião do procurador Silvio
Luiz Martins de Oliveira, especializado em crimes financeiros. "Não dá para entender como Abadía comprou uma série
de imóveis com dinheiro vivo e
os cartórios não fizeram nenhuma comunicação aos órgãos do governo que combatem
lavagem de dinheiro. Usar dinheiro vivo é um recurso mais
do que suspeito", afirma.
A lei brasileira, segundo o
procurador, determina que negócios suspeitos com imobiliárias, lojas de carros, corretoras
de valores e galerias de arte, por
exemplo, sejam comunicados
ao Coaf (Conselho de Controle
de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda.
"Os procedimentos antilavagem existem, são modernos,
mas não funcionam na prática.
O problema é de administração, de cruzamento de dados",
diz. Há também uma dose de
impunidade. São raríssimos os
casos de punição.
O juiz Martin de Sanctis e o
procurador Martins de Oliveira
acham que não é o caso de o
Brasil vestir a carapuça de república de bananas por causa
do trânsito fácil de traficantes.
"Ainda falta muito controle,
mas a situação nos últimos cinco anos melhorou 1.000%", diz
o procurador.
O juiz acredita que o próprio
fato de traficantes serem presos por lavagem de dinheiro é
um indício de que o país está
mudando. "A PF mudou muito.
As ações da polícia e da Justiça
começam a incomodar. Estamos conseguindo chegar ao crime organizado por meio da lavagem de dinheiro."
A PF também avalia que as
prisões de megatraficantes são
um indicador dessa mudança.
De acordo com um delegado
ouvido pela Folha, sob a condição de que seu nome não fosse
citado, a prioridade agora é outra: a PF não apreende mais caminhão de maconha, um crime
menor nessa visão. O alvo é o
tráfico internacional.
(MARIO CESAR CARVALHO)
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: EUA têm rede de informantes no Brasil Índice
|