São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Suborno torna os traficantes "invisíveis"

Colombiano conseguiu ficar livre no Brasil durante 13 anos e mantinha empresa exportadora de frutas e cocaína

Para juiz, corrupção facilita impunidade; suspeitos dizem ter pago propinas de até US$ 1 milhão a policiais para manter liberdade

DA REPORTAGEM LOCAL

A passagem do traficante colombiano Gustavo Durán Bautista pelo Brasil é uma história do gênero acredite se quiser. Ele tinha meia dúzia de empresas que exportavam frutas para a Europa, muitas das quais no Nordeste brasileiro. Empregava cerca de 2.000 pessoas. Enquanto outras empresas de frutas afundavam, ele prosperava.
Seu contador disse à Polícia Federal que Durán Bautista tem bens avaliados em R$ 100 milhões. O segredo do sucesso era a cocaína remetida para a Holanda no meio das caixas de frutas que o traficante exportava para empresas dele mesmo -assim, não havia riscos de que a droga fosse bisbilhotada.
O traficante estabeleceu-se no Brasil em 1994 e nunca foi importunado oficialmente pela polícia nesses 13 anos. Extra-oficialmente, Bautista contou que teve de pagar propina três vezes a policiais de São Paulo.
O juiz federal Fausto Martin de Sanctis frisa que não comenta casos concretos (ele é o responsável pelo julgamento de Abadía), mas, pelos casos que já julgou numa vara especializada em crimes financeiros, diz: "A corrupção permite que essas pessoas se movimentem com tranqüilidade. É fácil encontrar laranjas, movimentar dinheiro sem ser importunado e não há controle nas fronteiras".
O próprio Abadía contou à Polícia Federal que teve de dar US$ 800 mil (R$ 1,6 milhão) a policiais do Denarc (o departamento de narcóticos paulista) para evitar que três pessoas de seu grupo fossem presas.
Não é um caso isolado. O traficante mexicano Lucio Rueda Bustos, preso em Curitiba em 2004, foi extorquido em US$ 1 milhão por policiais civis. Bustos integrava o cartel de Juaréz e é acusado de planejar as pistas nos EUA que recebiam aviões com cocaína. Ele usava o Brasil para lavar dinheiro. Quando foi preso, havia reunido bens avaliados em R$ 18 milhões. Em março, foi condenado a dez anos de prisão por lavagem.

Não faltam leis
Não é por falta de leis contra a lavagem de dinheiro que o Brasil tornou-se destino preferencial de narcotraficantes, na opinião do procurador Silvio Luiz Martins de Oliveira, especializado em crimes financeiros. "Não dá para entender como Abadía comprou uma série de imóveis com dinheiro vivo e os cartórios não fizeram nenhuma comunicação aos órgãos do governo que combatem lavagem de dinheiro. Usar dinheiro vivo é um recurso mais do que suspeito", afirma.
A lei brasileira, segundo o procurador, determina que negócios suspeitos com imobiliárias, lojas de carros, corretoras de valores e galerias de arte, por exemplo, sejam comunicados ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda.
"Os procedimentos antilavagem existem, são modernos, mas não funcionam na prática. O problema é de administração, de cruzamento de dados", diz. Há também uma dose de impunidade. São raríssimos os casos de punição.
O juiz Martin de Sanctis e o procurador Martins de Oliveira acham que não é o caso de o Brasil vestir a carapuça de república de bananas por causa do trânsito fácil de traficantes. "Ainda falta muito controle, mas a situação nos últimos cinco anos melhorou 1.000%", diz o procurador.
O juiz acredita que o próprio fato de traficantes serem presos por lavagem de dinheiro é um indício de que o país está mudando. "A PF mudou muito. As ações da polícia e da Justiça começam a incomodar. Estamos conseguindo chegar ao crime organizado por meio da lavagem de dinheiro."
A PF também avalia que as prisões de megatraficantes são um indicador dessa mudança. De acordo com um delegado ouvido pela Folha, sob a condição de que seu nome não fosse citado, a prioridade agora é outra: a PF não apreende mais caminhão de maconha, um crime menor nessa visão. O alvo é o tráfico internacional. (MARIO CESAR CARVALHO)


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