São Paulo, quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Réu solto é diferente de impunidade

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No Brasil prevalece a regra de que o réu acusado de algum crime responde ao processo em liberdade. É o princípio da presunção de inocência estabelecido na Constituição como garantia individual.
A gravidade do delito não é motivo aceitável para a detenção cautelar, muito menos a condição social do acusado, rico ou pobre. Cabe prisão preventiva em crimes dolosos, com pena de reclusão, para a garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. A prisão se justifica, por exemplo, quando o réu ameaça a testemunha interferindo ilegalmente no andamento do processo ou quando se prepara para fugir.
Não deve causar estranheza o fato de algumas pessoas estarem presas, à espera do julgamento, e outras soltas. Cada caso é um caso.
No episódio do médico Roger Abdelmassih, os pedidos de habeas corpus impetrados sucessivamente no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal ainda não foram julgados. Os relatores se limitaram a negar as liminares. Preferiram aguardar as informações do magistrado responsável pela ordem de prisão e o parecer do Ministério Público antes de analisar o recurso. A ministra Ellen Gracie, do STF, foi fiel à súmula que impede o julgamento do pedido antes da decisão das instâncias inferiores. Assim, nada impede que, apesar das liminares negadas, o habeas corpus seja dado no futuro.
Várias circunstâncias serão determinantes no julgamento do habeas corpus. Pesa contra o médico a acusação de meia centena de delitos sexuais, de ter supostamente abusado das pacientes após eliminar sua capacidade de resistência, abusando de sua condição profissional, a comoção provocada pela revelação íntima das vítimas, o clamor público. Juízes são seres humanos e suscetíveis de serem influenciados pelos contornos escandalosos ou emocionais da causa. Mas, em tese, devem se manter equidistantes e examinar tecnicamente o decreto de prisão preventiva.
Réu solto não se confunde com impunidade. O que de fato incomoda no Brasil é a ineficiência crônica do Poder Judiciário. A Justiça tarda e falha. Os processos demoram anos e anos para ser julgados criando a impressão de que ninguém vai para a cadeia. Mas as cadeias estão superlotadas. A culpa desse sentimento cada vez mais arraigado não é da garantia constitucional.
Para se dimensionar a importância do princípio da presunção de inocência, que deveria valer para todos, basta imaginar a hipótese de uma pessoa presa preventivamente, durante anos, até a efetivação de um julgamento que a absolva... O equilíbrio entre a eficácia da Justiça e o respeito aos direitos individuais é o grande desafio.


Texto Anterior: Após 12 horas de prisão, STF dá liberdade a Gil Rugai
Próximo Texto: Abdelmassih é transferido para presídio em Tremembé
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.