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INCULTA & BELA
Você e tu
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Na semana passada, respondendo a um leitor, discuti a relação que se estabelece entre as
pessoas do discurso e as pessoas
gramaticais. Talvez seja interessante ver mais alguns detalhes da questão, sobretudo no
que diz respeito à diversidade
no emprego de "tu" e "você",
no Brasil e em Portugal.
Em coluna publicada no ano
passado, citei a canção "Língua", de Caetano Veloso. Nela,
o poeta faz bela análise da língua (ou das línguas) do Brasil,
do nascimento ("Flor do Lácio") aos dias de hoje ("sambódromo"; "Fala, Mangueira").
"Você e tu, lhe amo", diz
Caetano, referindo-se ao emprego e à posição do pronome
"lhe", fato já discutido neste espaço, e ao uso de mais de uma
forma de tratamento direto
("você" e "tu") no Brasil.
Pois bem. O pronome "tu" é
classificado como pessoal do
caso reto ("eu, tu, ele..."). Pertence à segunda pessoa do discurso (a pessoa a quem se fala)
e à segunda pessoa gramatical
("tu fazes", "tu dizes", "tu és").
"Você" aparece na lista dos
pronomes de tratamento. Como tal, pede verbo na terceira
pessoa ("você faz", "você diz",
"você é"), apesar de ser da segunda pessoa do discurso.
E de onde vem a palavra "você"? Vem de "Vossa Mercê",
"antigo tratamento dado a
pessoa de cerimônia", como o
define o "Aurélio".
"Vossa Mercê" passou a
"vossemecê", que passou a
"vosmecê", que passou a "você". "Você" vem de forma de
tratamento respeitoso e assim
se conserva em certas partes de
Portugal, o que se confirma
com uma andança por lá.
O fato também é relatado no
"Aurélio" e na "Nova Gramática do Português Contemporâneo", de Cunha e Cintra.
Em Portugal, "você" e "tu" se
alternam em mensagens de alcance público, como textos publicitários, apelos eleitorais etc.
No Brasil, "você" transformou-se em forma de tratamento de
igual para igual ou de superior
para inferior. Seu uso, no entanto, não se verifica em todo o
país. Em muitas regiões, usa-se
"tu", e de formas diversas.
No Rio de Janeiro, por exemplo, é comum que "tu" seja
usado com verbo na terceira
pessoa ("tu foi", "tu fez").
Já em Belém, é frequente o
uso de "tu" com o verbo na segunda pessoa ("foste", "fizeste", com o pronome implícito).
Talvez seja interessante que
os professores de português expliquem tudo isso aos alunos
antes de enfiar-lhes goela abaixo a questão da uniformidade
de tratamento, exigida em
muitos vestibulares e desejável
em algumas variantes da língua. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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