São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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ESTELIONATO MODERNO

Criminosos utilizam brechas nos sistemas de controle

Nova forma de 171 dispensa até o documento da vítima

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dionizio da Cruz de Santana, 58, diz que nunca teve carro nem sabe dirigir, mas tem um automóvel BMW e multas no valor de R$ 9.688,74 em seu nome. Fala que sempre foi empregado e hoje vive de bicos, mas aparece como sócio-gerente em uma empresa de eletrônica com dívidas fiscais. Afirma que não tem conta em banco há mais de 15 anos, apesar de ter cheques sem fundo em seu nome espalhados no comércio.
Santana trava uma briga judicial para limpar seu nome. Em sua defesa, mobilizaram-se diversos procuradores da PAJ (Procuradoria de Assistência Judiciária) de São Paulo, órgão estadual que atende pessoas de baixa renda.
Desempregado e morador de uma favela em Carapicuíba (Grande São Paulo), ele já conquistou a primeira vitória: a financiadora desistiu da ação na qual cobrava R$ 57.156,72 pela BMW preta, modelo 1994/1995, que ele afirma nunca ter visto.
Nessa e em outras ações que tramitam na Justiça, Santana tenta provar que, em vez de mau pagador, é mais uma vítima de estelionatários em golpes que, apesar de não haver estatísticas, estão cada vez mais freqüentes e complexos, segundo procuradores do Estado, Ministério Público e polícia.
Santana teve seus números do RG, do CPF e outros dados pessoais usados em falsificações sem nunca ter perdido documentos.
Além do transtorno de ter o nome sujo, a vítima também corre o risco de ser presa por supostamente se negar a entregar um bem, segundo a procuradora.
Santana não sabe como tiveram acesso a seus dados. Enquanto golpistas se livraram das dívidas, ele teve seu nome incluído no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e na Serasa (centralização de serviços bancários) e seu CPF foi cancelado pela Receita Federal.
"Antes, era raro uma pessoa que teve seu nome usado, sem perder os documentos, procurar o serviço. Mas esse número aumentou muito nos últimos dois anos", afirma a procuradora, que evita fornecer seus dados pessoais até para cupons de sorteio.
Hoje, tramitam só no fórum central de São Paulo, o maior da capital, de 400 a 500 ações cíveis da PAJ com o objetivo de limpar o nome das vítimas desses golpes -casos de pessoas que perderam documento ou não.
Mas esse número é muito maior. Vítimas que não são consideradas de baixa renda para serem atendidas pela PAJ têm de contratar advogados particulares.
Segundo Arcas, estelionatários se aproveitam de brechas nos sistema de controle de empresas e órgãos públicos para, com nome de outros, abrir contas bancárias, comprar carros, fazer empréstimos e negócios imobiliários, instalar linhas telefônicas e alterar contratos de empresas com o objetivo de se livrarem de dívidas.
Santana foi vítima de quase todos esses golpes. "Quando cheguei, o gerente do banco olhou para mim e falou no telefone: "Chegou o Dionizio original", lembra ele, rindo. "Não tenho nada, só o meu nome", diz, voltando à antiga fisionomia preocupada.
Policiais de distritos do centro -que concentra as maiores médias de ocorrências de crimes de estelionato da cidade, segundo a Fundação Seade- e de áreas comerciais tradicionais, como o Jardins (zona oeste), afirmam que o número de vítimas que não perderam os documentos revela um crescimento perigoso.
"RG e CPF originais não são mais necessários para os estelionatários. Eles só precisam dos dados para montar documentos", afirma Clóris Nei Sibuta, chefe dos investigadores do 3º DP (Santa Ifigênia), no centro. "Não é só problema policial. Faltam mecanismos de controle."
Para a delegada Elisabete Sato, do 78º DP (Jardins), essa "modernização" do estelionato é resultado de uma legislação penal fraca.


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