São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Detector de estresse


Uma das incógnitas é como os governantes lidarão com uma classe média cada vez mais exigente e que, aos poucos, aprende a reclamar


ENGENHEIROS FRANCESES desenvolveram um programa de computador capaz de perceber com razoável precisão e rapidez quando alguém está tenso e prestes a explodir numa conversa telefônica. O objetivo do software, chamado detector de estresse, é antecipar-se a um desfecho desagradável. Empresas brasileiras de call center estão implantando os detectores nas ligações para tentar atender melhor o consumidor irritado.
É mais um dos recursos utilizados por essas empresas que, no Brasil, estão aprendendo a lidar -e, na maioria das vezes, apanhando para fazê-lo- com a crescente massa de consumidores chamados emergentes. Só para se ter uma ideia de como se comportam esses consumidores, calcula-se que a classe C vá comprar, nos próximos 12 meses, 66% das passagens aéreas.
A mudança do padrão de consumo e de expectativas indica que haverá um novo tipo de estresse pela frente em todo o país e será cada vez mais complexo lidar com demandas mais sofisticadas e com um indivíduo mais crítico.
Uma das incógnitas nacionais é o modo como os governantes vão lidar com uma classe média mais exigente, que, aos poucos, aprende a reclamar e, certamente, vai perceber mais os desperdícios e as incompetências do poder público.

 


A melhor prova disso está numa comparação entre as preocupações dos brasileiros, levantadas pelo Datafolha. Quando Lula assumiu pela primeira vez, as três primeiras colocadas eram desemprego, fome e miséria. Na semana passada, nenhuma das três tinha permanecido no topo da lista. Saúde ficou na dianteira, depois violência e educação.
É consenso que uma das bases de apoio de Lula, vitaminando a candidatura de Dilma Rousseff, são os programas de renda mínima. Por isso, na semana passada, Serra prometeu um 13º de Bolsa Família -aliás, já se tinha comprometido a duplicar seu orçamento. Em recente autocrítica, Fernando Henrique Cardoso disse que um dos problemas que explicariam a derrota dos tucanos é a falha em comunicação. Foi durante sua gestão que se disseminaram nacionalmente essas ações, radicalizadas por Lula.
Esse efeito tende, com o tempo, a desaparecer.

 


É bem mais fácil e barato distribuir uma bolsa do que mexer no sistema de saúde ou melhorar a qualidade de ensino.
Há um importantíssimo dado do levantamento do Datafolha, que revela as novas reivindicações. Na região Sudeste, a educação está em primeiro lugar para quem tem maior poder aquisitivo. Na classe C, vem em segundo lugar, depois da saúde.
É a percepção cada vez mais difundida da importância do capital humano. Isso significa exigências que vão da creche aos cursos técnicos e ao ensino superior.
Um sinal disso é que, em São Paulo, a educação virou um dos principais pontos de ataque do PT aos tucanos. É sabido de todos que, mesmo estando em primeiro lugar no ranking nacional, a sua qualidade ainda está abaixo do aceitável.
Para muitos pais, ainda hoje, a escola é boa porque dá merenda. É mais do que eles tiveram.

 


Avoluma-se não só a classe C mas também o que se poderia chamar de C+ ou, para alguns, B-. Uma empresa especializada em analisar essa classe (o Data Popular) apresentou, na semana passada, os resultados de um levantamento sobre as expectativas desses segmentos.
Em pesquisas quantitativas e qualitativas, o estudo feito pelo Data Popular mostra, entre outras coisas, o seguinte:

1) o maior sonho dos jovens (29%) está ligado ao estudo e, em seguida, ao trabalho ( 22%). Só em terceiro lugar, com 13%, vem o desejo de ter uma moradia.

2) 70% concordam com a seguinte frase: "Ter diploma só vale a pena se o ensino tiver qualidade"."

3) 69% concordam com a frase: "A educação dos meus filhos é uma prioridade na minha família".

 


Para onde for essa nova classe mais escolarizada e crítica irá o poder no Brasil. Ela vai ficar menos preocupada com que o põe na barriga do que com o que põe no cérebro.

 


PS- Saúde e educação são, para mim, quase uma mesma coisa. Será muito difícil, para não dizer impossível, melhorar muito a qualidade de ensino sem cuidar da saúde dos alunos. Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) a íntegra da pesquisa do Data Popular e o dado do Datafolha sobre a colocação da educação na região Sudeste.

gdimen@uol.com.br


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