UOL


São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VIOLÊNCIA

Autoridades denunciam envolvimento policial em grupos de extermínio no Nordeste; acusados negam participação

Promotora ameaçada pede ação federal

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MOGEIRO (PB), PEDRAS DE FOGO (PB) E ITAMBÉ (PE)

Grupos de extermínio que agem na divisa da Paraíba com Pernambuco são exemplo de suposto envolvimento de policiais com o crime organizado e da impotência de autoridades que têm interesse em coibir a ação dos criminosos.
A promotora pública de Itambé (PE), Rosemary Souto Maior de Almeida, 44, é um exemplo dessa "impotência oficial". Ela já denunciou os grupos de extermínio na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Hoje vive com escolta policial 24 horas por dia.
Com 43 processos de homicídios parados por falta de investigação policial, Rosemary diz: "Já fizemos tudo o que era possível. Agora, só uma força-tarefa federal para conter os crimes e os grupos de extermínio".
De 1999 a 2002, mais de cem pessoas foram "justiçadas" nos municípios paraibanos de Mogeiro, Alhandra, Juripiranga e Pedras de Fogo e nos pernambucanos de Timbaúba, Goiana e Itambé. A divisa facilita a ação dos grupos: os mortos de um Estado são desovados (jogados) em outro.
Policiais civis como Sérgio de Souza Azevedo, 41, e Marcelo Jorge Pereira, 42, e PMs como o ex-sargento Manoel César de Albuquerque, "o cabo César", são acusados na CPI da Violência do Campo, da Assembléia Legislativa da Paraíba, de ser líderes dos grupos de extermínio na região.
O deputado estadual frei Anastácio Ribeiro (PT-PB), 58, que presidiu essa CPI (maio a dezembro de 2001) diz que esses líderes agiam "e agem acobertados" pelo ex-secretário de Segurança Pública da Paraíba Francisco Glauberto Bezerra e pelo ex-procurador-geral de Justiça Júlio Paulo Neto."É evidente que existia essa cobertura, senão não haveria tamanha impunidade", diz Ribeiro.
Bezerra é hoje procurador de Justiça no Ministério Público da Paraíba e Paulo Neto é desembargador no Tribunal de Justiça.
As vítimas preferenciais desses grupos são menores infratores, marginais de pequenos delitos, homossexuais e trabalhadores rurais, sejam sem-terra ou trabalhadores que ingressam em ações trabalhistas contra usineiros e plantadores de cana-de-açúcar.
O surgimento desses grupos após 1997 sugere uma mistura de interesses públicos e privados e a ausência efetiva do Estado.
O empresário Severino Ramos Pereira, 51, de Itambé (PE) admite que, em 1996, forneceu passagens aéreas e auxílio financeiro para que policiais de Pedras de Fogo e Itambé -municípios separados por uma avenida- fossem a São Paulo para buscar e prender os assassinos de seu filho Welveson Luiz Pereira, então com 18 anos, morto numa tentativa de assalto.
"Nena da Casa do Construtor", como Pereira é conhecido, nega a ajuda a grupos de extermínio. Segundo ele, as estruturas policiais são pobres e "precisam do apoio de quem tem mais recursos".

Outro lado
Marcelo Jorge Pereira e Sérgio de Souza Azevedo negam envolvimento com os grupos de extermínio e acusam os deputados petistas Luiz Couto (federal) e frei Anastácio Ribeiro (estadual) de perseguição política. "É tudo calúnia desses falsos padres e vou provar", afirma Azevedo.
Pereira admite que responde a processo criminal por co-autoria na morte de oito presos, em 1999, no episódio que ficou conhecido como a "chacina de Alhandra".
Em 13 de março daquele ano, um grupo liderado pelo então sargento reformado da PM Manoel César de Albuquerque invadiu a delegacia de Alhandra e matou oito presos. O objetivo era vingar a morte de um policial militar.
À época, Pereira, então delegado de Pedras de Fogo, foi acusado de fornecer armas da delegacia para o crime. "É uma acusação mais que ridícula", afirma.
Pereira diz que nunca liderou grupo de extermínio e que "as acusações levianas partem de um vereador de Itambé (PE), em busca de prestígio político". O vereador Manoel Mattos (PT) denunciou Pereira como integrante do grupo de extermínio na CPI da Violência do Campo da Assembléia Legislativa da Paraíba.
Azevedo diz que as acusações contra ele começaram depois que impediu que sem-terra ligados à CPT (Comissão Pastoral da Terra) invadissem uma área que arrendou em Mogeiro.
Tanto Azevedo como Pereira negam as acusações de frei Anastácio de que seriam protegidos pelo ex-secretário de Segurança da Paraíba Francisco Glauberto Bezerra e pelo hoje desembargador Júlio Paulo Neto.
O procurador de Justiça Francisco Glauberto Bezerra, do Ministério Público da Paraíba, não foi encontrado. Ele está de licença médica, segundo a assessoria do órgão. Publicamente, Bezerra sempre negou as acusações do deputado frei Anastácio Ribeiro.
Na sexta-feira, o desembargador Júlio Paulo Neto estava no interior da Paraíba. Contatado por telefone, não retornou aos telefonemas da reportagem.



Texto Anterior: Violência: Quadrilhas criam "mercado" para matadores
Próximo Texto: Ativista é protegido por "sombras" da PF
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.