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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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DANUZA LEÃO

As escolhas

De vez em quando, fico pensando em coisas bem absurdas, tipo: o que seria pior, viver sem ar-condicionado ou sem telefone? Claro que esses pensamentos têm a finalidade exclusiva de esquentar bastante a minha cabeça e, apesar de nunca ter certeza de minhas preferências, me obrigo a ter que decidir -e não vale escolher o ar-condicionado no verão. E você, prefere ficar sem luz ou sem água? Difícil escolha, não?
Se tivesse que eleger uma única cidade no mundo para onde pudesse viajar quantas vezes quisesse até o fim dos seus dias -mas só pode ser uma-, qual seria ela? Grande problema.
Nova York está meio fora de questão, por razões óbvias; Paris é sempre uma maravilha, mas, depois de a decisão tomada, você não poderia nunca mais ir àquela praia do Nordeste que ama tanto, nem passar o fim de semana numa pousada na montanha, nada; viveria o resto da vida entre a cidade em que mora e Paris -e assim fica meio sem graça, não?
Quais são os seus três pratos prediletos? A escolha é livre e pode ir de uma feijoada ao melhor foie gras do mundo, mas até o último dos seus dias você só teria o direito de comer essas três coisas, no almoço e no jantar. OK, não vamos radicalizar, cinco. Mas não seria insuportável saber que ia ter que ficar só nelas para o resto da vida?
Essas bobagens me levam a pensar que qualquer coisa que se sabe ser eterna perde seu encanto e que a graça é o inesperado, mesmo correndo o risco de sofrer. Vamos supor que sua vida esteja ótima, em todos os sentidos; se descesse um anjo do céu e dissesse que ela vai continuar assim, sem uma só novidade, um só imprevisto, para sempre, e talvez pior: que sua vida vai ser não só sempre igual, como também eterna. Tem castigo maior?
Aí você casa e jura, diante de Deus, que vai amar aquele homem para sempre -e ele a você, claro. Não tem nada melhor no mundo do que amar um homem loucamente e ter a certeza absoluta de que ele só pensa em você, que jamais olhará para outra mulher, que se Catherine Zeta Jones aparecer nua diante dele será dispensada, pois ele só quer você. Maravilhoso, não? Sim, mas em termos.
Sabendo que não corre nenhum risco, você vai relaxar e até mesmo desvalorizar o homem que tem a seu lado. Nada como um certo perigo e alguma insegurança que façam você viver mais ou menos no fio da navalha para que a vida tenha mais sabor. A monotonia, o previsível, o que se espera (e acaba sempre acontecendo) podem fazer da vida uma monotonia extrema.
Mas as coisas não são assim tão fáceis. Voltando ao marido, você tem duas opções, sendo que a primeira seria ter um que chegasse toda noite às 7h30, com um pacotinho de biscoitos amanteigados, que fosse fiel como um cão, que te desse todas as certezas do mundo e que, como quase todo homem muito fiel, fosse meio sem imaginação, incapaz de grandes arroubos, a tal ponto que às vezes você se pegasse sonhando com alguma coisa que não sabe bem o que é, mas que não tem nada a ver com ele.
Já a segunda opção seria um homem cheio de criatividade, que de vez em quando te agarrasse querendo ir aos finalmente dentro do elevador, um homem cheio de surpresas, capaz de vender o carro para levar você ao Caribe e que te deixasse sempre ligada na tomada, sabendo -ou achando- que, se passar uma vadia, ele é bem capaz você bem sabe de que, como aliás fez com você.
Você tem certeza de qual dos dois escolheria? Certeza absoluta?
Pois eu não.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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