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GOE usaria outra tática no resgate de Eloá
Delegado do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil diz que invasão deveria ser de manhã, envolveria rapel e cão treinado
Segundo policial, reflexo do seqüestrador estaria mais lento logo no amanhecer; um seqüestro não deveria durar mais do que 24 horas
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A SÃO JOAQUIM DA
BARRA (SP)
JOEL SILVA
REPÓRTER FOTOGRÁFICO
Especialista em ocorrências
de alto risco, resgate de reféns e
rebeliões no sistema prisional,
o GOE (Grupo de Operações
Especiais) faria tudo diferente
em uma situação como a que
culminou na morte da jovem
Eloá Pimentel, 15, assassinada
pelo ex-namorado Lindemberg
Alves, 22, em um conjunto habitacional de Santo André, na
Grande São Paulo.
Na última sexta-feira, o grupo de elite da Polícia Civil sediado em São Joaquim da Barra
(404 km de São Paulo) realizou
um treino tático. Objetivo: simular a invasão de uma residência ocupada por um seqüestrador com reféns. O ensaio,
com 16 homens, foi coordenado
pelo delegado Hugo Anselmo
Ravagnani, 47 anos e 20 de polícia. A Folha acompanhou a
ação com exclusividade.
A experiência de grupos de
elite dos principais países que
mantêm forças táticas e antiterroristas, como a Swat americana, o GIPN (da França), o
GSG 9 (da Alemanha), os Carabinieri (Itália) ou a polícia israelense, mostram que pelo
menos dez procedimentos adotados pelo Gate (a força da PM
usada no caso de Santo André)
foram contrários aos protocolos internacionais.
Segundo Ravagnani, que participou de 60 cursos ministrados por instrutores desses grupos de elite, a condução do resgate das meninas Eloá e Nayara
Rodrigues da Silva, 15, seria da
seguinte forma:
1. "O GOE não deixaria o seqüestro durar mais do que 24
horas. Pela experiência internacional, a situação psicológica
do agressor tende a se agravar
com o estresse prolongado."
2. "O GOE não colocaria uma
pessoa emocionalmente envolvida com o refém ou o seqüestrador na negociação [tal era a
condição da menina Nayara]. A
negociação seria conduzida por
um policial especialista em resgate. Muitas vezes, este policial
define até o posicionamento do
agressor dentro da casa. Se ele
percebe que a negociação não
vai prosperar, então parte para
a tática, que implica em obter
vantagens para a equipe. Um
exemplo? Ele leva o criminoso
para mais perto de uma janela,
para se tornar visível à mira de
um sniper [atirador de elite]. O
negociador tem de ser um especialista em tática e também
conhecer muito de psicologia
para traçar um perfil do criminoso e usá-lo a seu favor."
3. "O GOE não deixaria que o
seqüestrador desse entrevistas
durante o cativeiro das jovens."
4. "Segundo os manuais do
GOE, o "start da invasão" deveria ter sido acionado quando o
seqüestrador começou a agredir as reféns. Nunca a partir de
um suposto disparo contra as
jovens [rojões e bombas de são
João lançados por outros atores no cenário de operações,
como traficantes do bairro, poderiam ser confundidos com
disparos de armas do agressor]." A reportagem da Folha,
no local dos acontecimentos,
escutou vários estouros de fogos de artifício promovidos por
moradores do local.
5. "O GOE não usaria escadas
para a invasão do quarto -ainda mais uma escada sem altura
suficiente para alçar o policial
em segurança. Em vez disso,
empregaria um especialista em
rapel, que entraria "por cima"
da janela, empunhando sua arma, e mais rapidamente."
6. "O GOE evitaria dar o
"start da invasão" à tarde, como
ocorreu. Preferiria os primeiros instantes depois do amanhecer." Segundo o delegado, é
preciso explorar as oscilações
do ritmo ciscardiano. "De madrugada, o organismo ainda está em situação de repouso,
[uma hora] muito mais adequada a uma abordagem de
surpresa do que à tarde, após
um dia inteiro de estresse,
[com] a adrenalina a mil", diz.
7. "O GOE empregaria um
cão treinado para atacar com
mais agilidade o agressor durante a invasão." O delegado
explicou que a PM tem os cães
mais bem treinados do país. Se
usados na operação, atacariam
o agressor armado com velocidade muito maior do que a possível a um agente humano.
8. "O GOE posicionaria um
atirador especialista em rapel,
de cabeça para baixo, logo acima da janela em que o agressor
aparecia para um possível tiro
de imobilização. Para que [ele]
não visse a preparação da ação,
cortaria, por exemplo, a luz."
9. "O GOE usaria um estetoscópio para auscultar, a partir
de um apartamento vizinho, o
que ocorria no local do seqüestro. Também empregaria microtransmissores, que faria
chegar ao apartamento onde
estava Eloá por intermédio dos
condutores elétricos da casa.
Jamais o GOE usaria um copo
como foi feito na operação."
10. "O GOE usaria munição
letal em vez dos projéteis de
borracha empregados na ação
de resgate. Balas de borracha
são capazes de machucar, mas
não impedem o agressor de
reagir, inclusive atirando nas
vítimas. No limite, as forças de
elite internacionais usam "balotes", balas de 1,5 centímetro
de diâmetro arremessadas por
uma espingarda calibre 12, ultraletais. Um tiro do gênero é
capaz de decepar a cabeça de
um seqüestrador."
Tiro de espoleta
Foram necessários 12 minutos para três policiais colarem o
chamado "cordão detonante"
em todo o batente da porta da
casa escolhida para o treinamento, em um sítio abandonado na zona rural de São Joaquim da Barra. O mesmo material foi usado na tentativa de
resgate da adolescente Eloá.
O "cordão detonante" nem
parece bomba. Um desavisado
diria que se trata de um fio elétrico, com cobertura de plástico
vermelha. Só que, dentro dele,
existe um pó branco explosivo,
com o nome químico de nitropenta. Um pedaço de 10 cm
enrolado no pulso tem o poder
de arrancar a mão de uma pessoa. No caso de uma porta, o
efeito do cordel é cortar, com
uma incrível precisão, todo o
perímetro dela.
Mas o cordel não é simples de
ser detonado. Ele não estoura,
por exemplo, com fogo. Necessita de duas espoletas acionadas por comando elétrico ou pirotécnico. Esta última foi a escolhida para a ação na velha casa que simulava um esconderijo de seqüestro.
As duas espoletas foram conectadas a uma das extremidades do cordel detonante. Em
seguida, o comandante da operação ordenou que os policiais
se posicionassem para a invasão e acionou o explosivo: Pá-Pá-Puuuuuuuuum.
Ao todo escutaram-se três
estampidos. Dois menores, parecidos com tiros, e o terceiro,
que lembrava a explosão de um
botijão de gás. No caso de Eloá,
alguns observadores relataram
ter escutado um estampido antes da explosão do cordão detonante, que atribuíram a um tiro
da arma de Lindemberg. O delegado Ravagnani acha que pode ter sido apenas o barulho do
estouro da espoleta.
Passagem liberada, cinco policiais entraram. Toda a ação de
invasão não durou 15 segundos,
ao fim dos quais três alvos de
papel jaziam no chão com buracos de 3 centímetros de diâmetro -o estrago da calibre 12. Alvos eliminados, escutaram-se
gritos: "Limpo! Limpo! Limpo!", seguidos por outros que
diziam "Extração! Extração!"
Era a ordem para o ingresso
no local de equipes de paramédicos e de retirada de cadáveres. Mais um treinamento do
GOE estava concluído.
No caso de Santo André, não
custa lembrar, a porta não cedeu com a explosão por estar
"ancorada" em uma mesa de vidro, encostada nela por Lindemberg poucos minutos antes
do desfecho trágico.
"Bastava ter colado à porta
quatro saquinhos de leite enrolados em um cordão detonante", conta o delegado Ravagnani. Ele fez o curso de "explosivista" no Tees (Tactical Explosive Entry School) do Paraná.
Pagou, do próprio bolso, R$
3.000. Seu salário mensal é,
bruto, R$ 5.000. A porta que ele
explodiu no ensaio saiu inteira
do batente, diferentemente do
que ocorreu em Santo André.
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