São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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GOE usaria outra tática no resgate de Eloá

Delegado do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil diz que invasão deveria ser de manhã, envolveria rapel e cão treinado

Segundo policial, reflexo do seqüestrador estaria mais lento logo no amanhecer; um seqüestro não deveria durar mais do que 24 horas

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A SÃO JOAQUIM DA BARRA (SP)

JOEL SILVA
REPÓRTER FOTOGRÁFICO

Especialista em ocorrências de alto risco, resgate de reféns e rebeliões no sistema prisional, o GOE (Grupo de Operações Especiais) faria tudo diferente em uma situação como a que culminou na morte da jovem Eloá Pimentel, 15, assassinada pelo ex-namorado Lindemberg Alves, 22, em um conjunto habitacional de Santo André, na Grande São Paulo.
Na última sexta-feira, o grupo de elite da Polícia Civil sediado em São Joaquim da Barra (404 km de São Paulo) realizou um treino tático. Objetivo: simular a invasão de uma residência ocupada por um seqüestrador com reféns. O ensaio, com 16 homens, foi coordenado pelo delegado Hugo Anselmo Ravagnani, 47 anos e 20 de polícia. A Folha acompanhou a ação com exclusividade.
A experiência de grupos de elite dos principais países que mantêm forças táticas e antiterroristas, como a Swat americana, o GIPN (da França), o GSG 9 (da Alemanha), os Carabinieri (Itália) ou a polícia israelense, mostram que pelo menos dez procedimentos adotados pelo Gate (a força da PM usada no caso de Santo André) foram contrários aos protocolos internacionais.
Segundo Ravagnani, que participou de 60 cursos ministrados por instrutores desses grupos de elite, a condução do resgate das meninas Eloá e Nayara Rodrigues da Silva, 15, seria da seguinte forma:
1. "O GOE não deixaria o seqüestro durar mais do que 24 horas. Pela experiência internacional, a situação psicológica do agressor tende a se agravar com o estresse prolongado."
2. "O GOE não colocaria uma pessoa emocionalmente envolvida com o refém ou o seqüestrador na negociação [tal era a condição da menina Nayara]. A negociação seria conduzida por um policial especialista em resgate. Muitas vezes, este policial define até o posicionamento do agressor dentro da casa. Se ele percebe que a negociação não vai prosperar, então parte para a tática, que implica em obter vantagens para a equipe. Um exemplo? Ele leva o criminoso para mais perto de uma janela, para se tornar visível à mira de um sniper [atirador de elite]. O negociador tem de ser um especialista em tática e também conhecer muito de psicologia para traçar um perfil do criminoso e usá-lo a seu favor."
3. "O GOE não deixaria que o seqüestrador desse entrevistas durante o cativeiro das jovens."
4. "Segundo os manuais do GOE, o "start da invasão" deveria ter sido acionado quando o seqüestrador começou a agredir as reféns. Nunca a partir de um suposto disparo contra as jovens [rojões e bombas de são João lançados por outros atores no cenário de operações, como traficantes do bairro, poderiam ser confundidos com disparos de armas do agressor]." A reportagem da Folha, no local dos acontecimentos, escutou vários estouros de fogos de artifício promovidos por moradores do local.
5. "O GOE não usaria escadas para a invasão do quarto -ainda mais uma escada sem altura suficiente para alçar o policial em segurança. Em vez disso, empregaria um especialista em rapel, que entraria "por cima" da janela, empunhando sua arma, e mais rapidamente."
6. "O GOE evitaria dar o "start da invasão" à tarde, como ocorreu. Preferiria os primeiros instantes depois do amanhecer." Segundo o delegado, é preciso explorar as oscilações do ritmo ciscardiano. "De madrugada, o organismo ainda está em situação de repouso, [uma hora] muito mais adequada a uma abordagem de surpresa do que à tarde, após um dia inteiro de estresse, [com] a adrenalina a mil", diz.
7. "O GOE empregaria um cão treinado para atacar com mais agilidade o agressor durante a invasão." O delegado explicou que a PM tem os cães mais bem treinados do país. Se usados na operação, atacariam o agressor armado com velocidade muito maior do que a possível a um agente humano.
8. "O GOE posicionaria um atirador especialista em rapel, de cabeça para baixo, logo acima da janela em que o agressor aparecia para um possível tiro de imobilização. Para que [ele] não visse a preparação da ação, cortaria, por exemplo, a luz."
9. "O GOE usaria um estetoscópio para auscultar, a partir de um apartamento vizinho, o que ocorria no local do seqüestro. Também empregaria microtransmissores, que faria chegar ao apartamento onde estava Eloá por intermédio dos condutores elétricos da casa. Jamais o GOE usaria um copo como foi feito na operação."
10. "O GOE usaria munição letal em vez dos projéteis de borracha empregados na ação de resgate. Balas de borracha são capazes de machucar, mas não impedem o agressor de reagir, inclusive atirando nas vítimas. No limite, as forças de elite internacionais usam "balotes", balas de 1,5 centímetro de diâmetro arremessadas por uma espingarda calibre 12, ultraletais. Um tiro do gênero é capaz de decepar a cabeça de um seqüestrador."

Tiro de espoleta
Foram necessários 12 minutos para três policiais colarem o chamado "cordão detonante" em todo o batente da porta da casa escolhida para o treinamento, em um sítio abandonado na zona rural de São Joaquim da Barra. O mesmo material foi usado na tentativa de resgate da adolescente Eloá.
O "cordão detonante" nem parece bomba. Um desavisado diria que se trata de um fio elétrico, com cobertura de plástico vermelha. Só que, dentro dele, existe um pó branco explosivo, com o nome químico de nitropenta. Um pedaço de 10 cm enrolado no pulso tem o poder de arrancar a mão de uma pessoa. No caso de uma porta, o efeito do cordel é cortar, com uma incrível precisão, todo o perímetro dela.
Mas o cordel não é simples de ser detonado. Ele não estoura, por exemplo, com fogo. Necessita de duas espoletas acionadas por comando elétrico ou pirotécnico. Esta última foi a escolhida para a ação na velha casa que simulava um esconderijo de seqüestro.
As duas espoletas foram conectadas a uma das extremidades do cordel detonante. Em seguida, o comandante da operação ordenou que os policiais se posicionassem para a invasão e acionou o explosivo: Pá-Pá-Puuuuuuuuum.
Ao todo escutaram-se três estampidos. Dois menores, parecidos com tiros, e o terceiro, que lembrava a explosão de um botijão de gás. No caso de Eloá, alguns observadores relataram ter escutado um estampido antes da explosão do cordão detonante, que atribuíram a um tiro da arma de Lindemberg. O delegado Ravagnani acha que pode ter sido apenas o barulho do estouro da espoleta.
Passagem liberada, cinco policiais entraram. Toda a ação de invasão não durou 15 segundos, ao fim dos quais três alvos de papel jaziam no chão com buracos de 3 centímetros de diâmetro -o estrago da calibre 12. Alvos eliminados, escutaram-se gritos: "Limpo! Limpo! Limpo!", seguidos por outros que diziam "Extração! Extração!"
Era a ordem para o ingresso no local de equipes de paramédicos e de retirada de cadáveres. Mais um treinamento do GOE estava concluído.
No caso de Santo André, não custa lembrar, a porta não cedeu com a explosão por estar "ancorada" em uma mesa de vidro, encostada nela por Lindemberg poucos minutos antes do desfecho trágico.
"Bastava ter colado à porta quatro saquinhos de leite enrolados em um cordão detonante", conta o delegado Ravagnani. Ele fez o curso de "explosivista" no Tees (Tactical Explosive Entry School) do Paraná. Pagou, do próprio bolso, R$ 3.000. Seu salário mensal é, bruto, R$ 5.000. A porta que ele explodiu no ensaio saiu inteira do batente, diferentemente do que ocorreu em Santo André.


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