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DANUZA LEÃO
Os vícios
Essa história de que a vida não deve ser sempre igual, que queremos o inesperado, é meio conversa fiada
EM QUEM a gente pensa, quando ouve falar que alguém é viciado? Só nos drogados, nos
fumantes e nos alcoólatras, o que é
uma injustiça. Somos todos viciados
em alguma coisa, aliás, em várias.
Quer ver só?
Você sai de casa para ir ao supermercado, mas só vai àquele em que
está habituada (viciada), mesmo que
existam outros três bem pertinho. E
para chegar lá, segue sempre pelas
mesmas calçadas, olhando as mesmas vitrines, atravessando a rua no
mesmo lugar. E isso não é um vício?
O telejornal que se vê todos os
dias, sempre o mesmo, a mulher que
tem aquele dia certo de fazer as
unhas, a mania de comer pipoca no
cinema, tudo é vício, e não conheço
quem não tenha o seu. Os seus, aliás.
Cachorros e gatos também têm direito a seus vícios: eles se deitam no
mesmo lugar, dormem às mesmas
horas e te procuram para receber carinho sempre da mesma maneira.
Passarinhos talvez não tenham nenhum, mas esses são seres incompreensíveis.
Se o seu bife passou do ponto, você
reclama, a bebida é sempre a mesma, e essa história de dizer que a vida não deve ser sempre igual, que
odiamos a rotina, que queremos a
surpresa, o inesperado, é meio conversa fiada. Estão aí os Natais que
não nos deixam mentir, as festas de
fim de ano, os Carnavais, os aniversários, as férias tiradas sempre no
mesmo mês; é sempre igual, tudo se
repete, porque é assim que queremos que seja. É bom ter um vício; a
vida fica mais previsível, mais segura. Seu café da manhã é sempre igual
ou você gostaria que fosse cada dia
de um jeito? Pois é.
E tem também as amizades; aquele amigo com quem você come feijoada aos sábados, aquele outro com
quem vai ao futebol, o casal com
quem vai à praia nos fins de semana
de sol, sempre no mesmo lugar, a
cervejinha, o amor que todo mundo
procura e alguns encontram. Por isso ficamos tão sem rumo quando
acontece um feriado no meio da semana, que nos deixa sem saber o que
fazer da vida.
Nós todos, viciados, repetimos
nossos procedimentos porque é
mais seguro saber o que podemos
esperar das pessoas, dos lugares, das
férias; mas que limita as possibilidades, lá isso limita. Se você trocasse
de praia, poderia talvez encontrar
aquele namorado que procura tanto, uma amiga que não vê há séculos,
daí partir para fazer alguma coisa inteiramente nova, que poderia te fazer muito feliz; mas está tão bom assim, o barraqueiro que te aluga a cadeirinha já te conhece, até te chama
pelo nome, pra que mudar se está
tudo bem do jeito que está?
E tem o amor; o amor que nos faz
querer aquela pessoa acima de todas
as outras, que sabe de tudo que você
gosta, de que jeito você gosta, aquela
que se enrosca em você no sofá sempre do mesmo jeito, que te entende
sem você precisar falar, que você
também entende, que está sempre
por perto quando você precisa, e que
às vezes te leva à loucura com as cenas de ciúme, as reclamações porque você se atrasou, com suas manias, aquela pessoa que você não
agüenta, às vezes até te maltrata,
mas que não consegue largar.
Porque ela se transformou em vício, e o amor é o vicio que se tem por
alguém.
danuza.leao@uol.com.br
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