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"Minha família foi toda levada pela chuva"
Gerda Karl, 53, perdeu mãe, pai, marido, filho e outra filha, grávida de sete meses; só restou o filho de 22 anos, Nilberto
Ao ver o helicóptero de resgate, sobreviventes avançam e, aos prantos, pedem à reportagem informações de parentes
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL A NAVEGANTES
Na clareira improvisada num
campo de futebol da zona rural
de Ilhota, cidade vizinha a Navegantes, um grupo de desabrigados, ali desde a noite de domingo ou a manhã de segunda,
começa a ser resgatado pelo ar
por uma missão do Exército,
acompanhada pela Folha.
Tão logo o helicóptero pousa,
parte deles avança sobre a reportagem, apesar do risco das
hélices em funcionamento.
Muitos choram. Sem saber
quem chegava -Cruz Vermelha ou Defesa Civil-, perguntam sobre os perigos que correm se permanecerem ali.
Todos apontam uma mulher
desolada. É Gerda Karl, 53.
Perdeu mãe, pai, marido, filho
e outra filha, grávida de sete
meses. Só restou o filho de 22
anos, Nilberto, com quem conseguiu pular pela janela quando a enxurrada levou a casa
morro abaixo. E, com a casa,
também foram soterrados o
carro e quatro vacas, de onde a
família tirava a subsistência na
produção de queijos, vendidos
em pequenas padarias.
"Ali não dá mais para voltar.
Minha família foi toda levada
pela chuva e não sei se vão
achá-los", afirma. Se acharem
os corpos dos cinco parentes de
primeiro grau, Gerda diz que
não vai poder enterrá-los. O cemitério de Alto Baú, na zona
rural, foi destruído pela tormenta. Os caixões emergiram,
os túmulos caíram e os cadáveres se misturaram à lama.
Quando o helicóptero da
Força Aérea pousa em outro
campo para resgatar mais desabrigados, todos queriam subir desordenadamente e sair
do alto do morro. A estratégia
era recolher todos para o primeiro campo de refugiados,
um descampado onde uma aeronave maior poderia levar até
20 de cada vez.
"Moço, isso não vai cair?",
chorava Teresinha Floriano,
que perdeu a irmã, a sobrinha
de um ano e meio, a casa, que
ficou "retorcida" e terá de ser
demolida por trator, e nove
amigas. Teresinha também
perdeu o emprego: a cooperativa de confecção em que trabalhava desabou. Ao lado dela,
um senhor rezava, com medo
de que o helicóptero, assim como a casa, desabasse.
Na segunda leva de desabrigados, Maria Hentchen, 84, pede à reportagem para ligar para
os filhos (ela tira o número do
bolso). Desde domingo não tinha notícia deles e não sabia se
estavam vivos. No meio daquela mata não havia sinal de celular. Com a casa, destruída com
a queda de dois eucaliptos, Maria perdeu os remédios para hipertensão e para a embolia pulmonar da qual ainda se curava.
Uma mulher que não aparentava mais de 40 anos é retirada
de maca do helicóptero com o
pé direito enfaixado. Foi picada
por uma cobra jararaca.
"O senhor não sabe as condições em que o povo se encontra: a carne está jogada no chão,
cheia de poeira", diz um soldado ao tenente-coronel Sérgio
Warpechowski, comandante
da missão humanitária do
Exército no aeroporto de Navegantes. "Tem de congelar, se
não, não serve para comer. Não
pode deixar o sangue escorrer",
responde o militar, que parecia
não se dar conta da falta de luz,
de água potável e de comida
saudável aos ilhados.
No abrigo no meio da mata
desde segunda-feira pela manhã, Iracema Brunes teve o
restaurante interditado pela
Defesa Civil catarinense. "Minha cozinha caiu, as paredes
estão todas trincadas", diz.
Com a chuva, a erosão derrubou estradas. O único jeito de
chegar aos sobreviventes era
mesmo de helicóptero.
Ao cair da noite, voluntários
fazem lista dos 175 desabrigados da zona rural de Ilhota
para dividi-los por família. O
resgate começa a levá-los para
Blumenau enquanto chovia. O
tempo continua ruim em Santa
Catarina.
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