São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2008

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"Minha família foi toda levada pela chuva"

Gerda Karl, 53, perdeu mãe, pai, marido, filho e outra filha, grávida de sete meses; só restou o filho de 22 anos, Nilberto

Ao ver o helicóptero de resgate, sobreviventes avançam e, aos prantos, pedem à reportagem informações de parentes

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL A NAVEGANTES

Na clareira improvisada num campo de futebol da zona rural de Ilhota, cidade vizinha a Navegantes, um grupo de desabrigados, ali desde a noite de domingo ou a manhã de segunda, começa a ser resgatado pelo ar por uma missão do Exército, acompanhada pela Folha.
Tão logo o helicóptero pousa, parte deles avança sobre a reportagem, apesar do risco das hélices em funcionamento. Muitos choram. Sem saber quem chegava -Cruz Vermelha ou Defesa Civil-, perguntam sobre os perigos que correm se permanecerem ali.
Todos apontam uma mulher desolada. É Gerda Karl, 53. Perdeu mãe, pai, marido, filho e outra filha, grávida de sete meses. Só restou o filho de 22 anos, Nilberto, com quem conseguiu pular pela janela quando a enxurrada levou a casa morro abaixo. E, com a casa, também foram soterrados o carro e quatro vacas, de onde a família tirava a subsistência na produção de queijos, vendidos em pequenas padarias.
"Ali não dá mais para voltar. Minha família foi toda levada pela chuva e não sei se vão achá-los", afirma. Se acharem os corpos dos cinco parentes de primeiro grau, Gerda diz que não vai poder enterrá-los. O cemitério de Alto Baú, na zona rural, foi destruído pela tormenta. Os caixões emergiram, os túmulos caíram e os cadáveres se misturaram à lama.
Quando o helicóptero da Força Aérea pousa em outro campo para resgatar mais desabrigados, todos queriam subir desordenadamente e sair do alto do morro. A estratégia era recolher todos para o primeiro campo de refugiados, um descampado onde uma aeronave maior poderia levar até 20 de cada vez.
"Moço, isso não vai cair?", chorava Teresinha Floriano, que perdeu a irmã, a sobrinha de um ano e meio, a casa, que ficou "retorcida" e terá de ser demolida por trator, e nove amigas. Teresinha também perdeu o emprego: a cooperativa de confecção em que trabalhava desabou. Ao lado dela, um senhor rezava, com medo de que o helicóptero, assim como a casa, desabasse.
Na segunda leva de desabrigados, Maria Hentchen, 84, pede à reportagem para ligar para os filhos (ela tira o número do bolso). Desde domingo não tinha notícia deles e não sabia se estavam vivos. No meio daquela mata não havia sinal de celular. Com a casa, destruída com a queda de dois eucaliptos, Maria perdeu os remédios para hipertensão e para a embolia pulmonar da qual ainda se curava. Uma mulher que não aparentava mais de 40 anos é retirada de maca do helicóptero com o pé direito enfaixado. Foi picada por uma cobra jararaca.
"O senhor não sabe as condições em que o povo se encontra: a carne está jogada no chão, cheia de poeira", diz um soldado ao tenente-coronel Sérgio Warpechowski, comandante da missão humanitária do Exército no aeroporto de Navegantes. "Tem de congelar, se não, não serve para comer. Não pode deixar o sangue escorrer", responde o militar, que parecia não se dar conta da falta de luz, de água potável e de comida saudável aos ilhados.
No abrigo no meio da mata desde segunda-feira pela manhã, Iracema Brunes teve o restaurante interditado pela Defesa Civil catarinense. "Minha cozinha caiu, as paredes estão todas trincadas", diz.
Com a chuva, a erosão derrubou estradas. O único jeito de chegar aos sobreviventes era mesmo de helicóptero.
Ao cair da noite, voluntários fazem lista dos 175 desabrigados da zona rural de Ilhota para dividi-los por família. O resgate começa a levá-los para Blumenau enquanto chovia. O tempo continua ruim em Santa Catarina.


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