São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA RAINHA SILVIA

Cartão de crédito deve combater compra de pornografia infantil

Rainha Silvia, da Suécia, diz que sua ONG vai propor ao mercado financeiro brasileiro parcerias contra o abuso sexual de crianças

Além dos laços que guarda com o país por ter passado a maior parte da infância aqui, a rainha Silvia, da Suécia, acompanha de perto o Brasil num tema que lhe é muito caro: o combate à exploração sexual infantil. Ela aprova, por exemplo, o projeto de lei -que deve ser sancionado pelo presidente Lula- que torna mais duras as penas contra pedofilia e passará a considerar crime também a posse ou o armazenamento de fotos ou vídeos pornográficos de crianças e adolescentes.

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

A ONG da qual a rainha Silvia é fundadora, a World Childhood Foundation, tem forte atuação no Brasil e, após fazer parceiras com empresários de transporte rodoviário e hoteleiros, mira no sistema financeiro. O objetivo é conscientizar bancos a facilitarem a identificação de pedófilos que compram material pornográfico infantil com cartão de crédito. A rainha contou também que, de tanta saudade de jabuticaba, plantou em uma estufa no jardim de sua casa, na Suécia, uma jabuticabeira. Ela está no Rio, onde concedeu esta entrevista à Folha, para participar do 3º Congresso Mundial de Enfrentamento do Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

 

FOLHA - O Brasil foi escolhido como sede do congresso por reconhecimento pela atuação contra a exploração sexual infantil ou por que aqui o problema é mais grave?
RAINHA SILVIA
- O primeiro congresso aconteceu na Suécia [em 1996] e, o segundo, no Japão [em 2001]. Infelizmente, todos os países, inclusive o Brasil, enfrentam o problema do abuso de crianças. É um problema muito grave, que necessita da união de todos.
Estou muito contente que o Brasil tenha tido a coragem de aceitar esse desafio e colocado o tema no plano global. Esperamos que, ao final do encontro, tenhamos um documento, um plano de ação que inclua todos os governos aqui presentes.

FOLHA - A Childhood atua no Brasil, na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. Que particularidade tem o Brasil nessa questão?
RAINHA SILVIA
- A situação e a cultura em cada país são diferentes. Todas as Childhoods atuam de maneira particular em cada país, mas sempre com o foco na proteção dos direitos das crianças. No caso brasileiro, nossa entidade ajudou a trazer o problema à tona. Há dez anos, não se falava muito do abuso sexual de crianças. Era um tema camuflado, difícil e embaraçoso. Hoje, todos falam a respeito. Se não se fala ou não se vê o problema, fica mais difícil solucioná-lo.
Um dos projetos que temos no Brasil, e que pode ser exportado para outros países, chama-se Na Mão Certa. Trata-se de um pacto que fizemos com as empresas de transporte, e hoje já são 404, que ajudam a Childhood a falar com os caminhoneiros que antes abusavam das crianças, e agora são embaixadores da causa.

FOLHA - Os crimes contra crianças praticados na internet hoje preocupam mais do que a prostituição infantil em estradas ou prostíbulos?
RAINHA SILVIA
- Não devemos esquecer do sofrimento das crianças vítimas de abuso nas ruas ou em família, mas a facilidade com que os pedófilos usam a internet preocupa porque as crianças hoje utilizam muito os computadores e nem sempre percebem o perigo.
Lembro-me de um caso no ano passado, na Suécia, em que mais de 60 meninas numa sala de bate-papo dialogavam com uma certa "Alessandra". Essa suposta menina marcou um encontro com uma das amigas e, quando ela chegou ao local, percebeu que era um homem de 45 anos que já tinha violado mais de 80 crianças. Ele foi preso, mas isso demonstra o risco que as crianças correm.
Elas sabem utilizar os computadores e acham que estão seguras. Quando surgiu o rádio ou a TV, as famílias assistiam juntas aos programas. Hoje, cada um tem seu rádio, sua TV, seu computador. Na Suécia, há uma campanha advertindo os pais a colocarem os computadores na sala, na cozinha, em lugares da casa onde adultos possam acompanhar a comunicação das crianças.
Houve também uma campanha da ONG Ecpat que distribuiu mousepads com as mensagens "não dê seu nome", "não dê sua fotografia", "não diga que está sozinha" e "não dê seu endereço".

FOLHA - O que fazer em relação aos adultos que recebem pornografia infantil em seu computador e acham que não há nada de errado com isso?
RAINHA SILVIA
- Este é um grande problema. Há alguns anos, um engenheiro sueco nos procurou com um projeto que financiamos para detectar, numa empresa, funcionários que acessavam sites de pedofilia.
O software é instalado no computador central da companhia e, assim que percebe que alguém entrou num site de pornografia infantil, ele avisa a polícia. Isso permite que a polícia possa armazenar a página do site antes que ela seja apagada, e dá à empresa uma garantia de que ela é uma boa companhia no que diz respeito aos direitos das crianças.
Além disso, a Childhood apóia a iniciativa de considerar crime também armazenar imagens no computador [caso do projeto de lei brasileiro]. Também na Suécia, a posse dessas imagens não era proibida, apenas a sua transmissão, mas o governo modificou a legislação.

FOLHA - Fala-se muito do papel dos governos, mas o que tem sido feito para conscientizar as empresas para o problema?
RAINHA SILVIA
- Governos, naturalmente, são muito importantes, mas as empresas privadas também podem fazer muito para combater o problema, com a ajuda de seus empregados. Mas acho que avançamos muito.
Há 15 anos, lembro-me de que, ao ver dois homens com um menino asiático num restaurante, estava claro para mim o que estava acontecendo ali, mas não sabia como agir. Hoje, sabemos que isso deve ser denunciado à polícia, ao segurança, ao dono do restaurante. Se alguém presenciar um caso de abuso contra crianças no Brasil, é preciso ligar imediatamente para o número 100 [Disque-denúncia do governo federal contra a violência e abuso sexual contra crianças].
Acho que a sociedade brasileira tem amadurecido bastante em relação ao tema. Vamos agora procurar o mercado financeiro, pois existe muita compra de pornografia infantil com cartão de crédito [o projeto da ONG prevê que, uma vez identificado o comprador, seja facilitada pelas empresas de cartões a entrega de dados dele à polícia; e que um estabelecimento que venda material pornográfico infantil com cartão seja descredenciado]. Essa parceria deu certo nos Estados Unidos, quando a iniciamos há dois anos, e, também na Suécia, onde há poucos dias o ministro das Finanças se reuniu com bancos para solucionar o problema. Tenho certeza de que o Brasil se tornará um líder na questão do combate à exploração sexual infantil.

FOLHA - Não faltam mais líderes mundiais que levantem a bandeira da exploração sexual infantil?
RAINHA SILVIA
- Nós fazemos o que podemos... [risos], mas, sim, é importante.

FOLHA - Do que a senhora mais sente falta do Brasil?
RAINHA SILVIA
- Passei minha infância aqui e, tendo mãe brasileira, o Brasil esteve sempre perto de nós. O Brasil é amor, carinho, espontaneidade, alegria. Tenho bons amigos aqui.
Gosto muito de jabuticaba e consegui até plantar uma jabuticabeira em casa, na Suécia. Acho que é a única jabuticabeira do mundo em estufa.

FOLHA - E a jabuticaba dessa árvore é boa?
RAINHA SILVIA
- [risos] Sim. No ano passado, ela me deu seis jabuticabas.


Texto Anterior: Bertioga: Promotor deve ser julgado hoje por assassinato
Próximo Texto: Lula sanciona lei que pune pedofilia com mais rigor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.