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ENTREVISTA RAINHA SILVIA
Cartão de crédito deve combater compra de pornografia infantil
Rainha Silvia, da Suécia, diz que sua ONG vai propor ao mercado financeiro brasileiro parcerias contra o abuso sexual de crianças
Além dos laços que guarda com o país por ter passado a maior parte da infância aqui, a rainha Silvia, da
Suécia, acompanha de perto o Brasil num tema que
lhe é muito caro: o combate à exploração sexual infantil. Ela aprova, por exemplo, o projeto de lei -que deve
ser sancionado pelo presidente Lula- que torna mais
duras as penas contra pedofilia e passará a considerar
crime também a posse ou o armazenamento de fotos
ou vídeos pornográficos de crianças e adolescentes.
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
A ONG da qual a rainha Silvia
é fundadora, a World Childhood Foundation, tem forte
atuação no Brasil e, após fazer
parceiras com empresários de
transporte rodoviário e hoteleiros, mira no sistema financeiro. O objetivo é conscientizar bancos a facilitarem a identificação de pedófilos que compram material pornográfico infantil com cartão de crédito.
A rainha contou também
que, de tanta saudade de jabuticaba, plantou em uma estufa no
jardim de sua casa, na Suécia,
uma jabuticabeira.
Ela está no Rio, onde concedeu esta entrevista à Folha, para participar do 3º Congresso
Mundial de Enfrentamento do
Abuso e Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes.
FOLHA - O Brasil foi escolhido como
sede do congresso por reconhecimento pela atuação contra a exploração sexual infantil ou por que aqui
o problema é mais grave?
RAINHA SILVIA - O primeiro congresso aconteceu na Suécia [em
1996] e, o segundo, no Japão
[em 2001]. Infelizmente, todos
os países, inclusive o Brasil, enfrentam o problema do abuso
de crianças. É um problema
muito grave, que necessita da
união de todos.
Estou muito contente que o
Brasil tenha tido a coragem de
aceitar esse desafio e colocado
o tema no plano global. Esperamos que, ao final do encontro,
tenhamos um documento, um
plano de ação que inclua todos
os governos aqui presentes.
FOLHA - A Childhood atua no Brasil, na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. Que particularidade
tem o Brasil nessa questão?
RAINHA SILVIA - A situação e a
cultura em cada país são diferentes. Todas as Childhoods
atuam de maneira particular
em cada país, mas sempre com
o foco na proteção dos direitos
das crianças. No caso brasileiro, nossa entidade ajudou a trazer o problema à tona. Há dez
anos, não se falava muito do
abuso sexual de crianças. Era
um tema camuflado, difícil e
embaraçoso. Hoje, todos falam
a respeito. Se não se fala ou não
se vê o problema, fica mais difícil solucioná-lo.
Um dos projetos que temos
no Brasil, e que pode ser exportado para outros países, chama-se Na Mão Certa. Trata-se de
um pacto que fizemos com as
empresas de transporte, e hoje
já são 404, que ajudam a Childhood a falar com os caminhoneiros que antes abusavam das
crianças, e agora são embaixadores da causa.
FOLHA - Os crimes contra crianças
praticados na internet hoje preocupam mais do que a prostituição infantil em estradas ou prostíbulos?
RAINHA SILVIA - Não devemos esquecer do sofrimento das
crianças vítimas de abuso nas
ruas ou em família, mas a facilidade com que os pedófilos
usam a internet preocupa porque as crianças hoje utilizam
muito os computadores e nem
sempre percebem o perigo.
Lembro-me de um caso no
ano passado, na Suécia, em que
mais de 60 meninas numa sala
de bate-papo dialogavam com
uma certa "Alessandra". Essa
suposta menina marcou um
encontro com uma das amigas
e, quando ela chegou ao local,
percebeu que era um homem
de 45 anos que já tinha violado
mais de 80 crianças. Ele foi preso, mas isso demonstra o risco
que as crianças correm.
Elas sabem utilizar os computadores e acham que estão
seguras. Quando surgiu o rádio
ou a TV, as famílias assistiam
juntas aos programas. Hoje, cada um tem seu rádio, sua TV,
seu computador. Na Suécia, há
uma campanha advertindo os
pais a colocarem os computadores na sala, na cozinha, em
lugares da casa onde adultos
possam acompanhar a comunicação das crianças.
Houve também uma campanha da ONG Ecpat que distribuiu mousepads com as mensagens "não dê seu nome", "não
dê sua fotografia", "não diga
que está sozinha" e "não dê seu
endereço".
FOLHA - O que fazer em relação aos
adultos que recebem pornografia
infantil em seu computador e
acham que não há nada de errado
com isso?
RAINHA SILVIA - Este é um grande problema. Há alguns anos,
um engenheiro sueco nos procurou com um projeto que financiamos para detectar, numa empresa, funcionários que
acessavam sites de pedofilia.
O software é instalado no
computador central da companhia e, assim que percebe que
alguém entrou num site de pornografia infantil, ele avisa a polícia. Isso permite que a polícia
possa armazenar a página do site antes que ela seja apagada, e
dá à empresa uma garantia de
que ela é uma boa companhia
no que diz respeito aos direitos
das crianças.
Além disso, a Childhood
apóia a iniciativa de considerar
crime também armazenar imagens no computador [caso do
projeto de lei brasileiro]. Também na Suécia, a posse dessas
imagens não era proibida, apenas a sua transmissão, mas o
governo modificou a legislação.
FOLHA - Fala-se muito do papel dos
governos, mas o que tem sido feito
para conscientizar as empresas para
o problema?
RAINHA SILVIA - Governos, naturalmente, são muito importantes, mas as empresas privadas
também podem fazer muito
para combater o problema,
com a ajuda de seus empregados. Mas acho que avançamos
muito.
Há 15 anos, lembro-me de
que, ao ver dois homens com
um menino asiático num restaurante, estava claro para mim
o que estava acontecendo ali,
mas não sabia como agir. Hoje,
sabemos que isso deve ser denunciado à polícia, ao segurança, ao dono do restaurante. Se
alguém presenciar um caso de
abuso contra crianças no Brasil, é preciso ligar imediatamente para o número 100 [Disque-denúncia do governo federal contra a violência e abuso
sexual contra crianças].
Acho que a sociedade brasileira tem amadurecido bastante em relação ao tema. Vamos
agora procurar o mercado financeiro, pois existe muita
compra de pornografia infantil
com cartão de crédito [o projeto da ONG prevê que, uma vez
identificado o comprador, seja
facilitada pelas empresas de
cartões a entrega de dados dele
à polícia; e que um estabelecimento que venda material pornográfico infantil com cartão
seja descredenciado]. Essa parceria deu certo nos Estados
Unidos, quando a iniciamos há
dois anos, e, também na Suécia,
onde há poucos dias o ministro
das Finanças se reuniu com
bancos para solucionar o problema. Tenho certeza de que o
Brasil se tornará um líder na
questão do combate à exploração sexual infantil.
FOLHA - Não faltam mais líderes
mundiais que levantem a bandeira
da exploração sexual infantil?
RAINHA SILVIA - Nós fazemos o
que podemos... [risos], mas,
sim, é importante.
FOLHA - Do que a senhora mais
sente falta do Brasil?
RAINHA SILVIA - Passei minha infância aqui e, tendo mãe brasileira, o Brasil esteve sempre
perto de nós. O Brasil é amor,
carinho, espontaneidade, alegria. Tenho bons amigos aqui.
Gosto muito de jabuticaba e
consegui até plantar uma jabuticabeira em casa, na Suécia.
Acho que é a única jabuticabeira do mundo em estufa.
FOLHA - E a jabuticaba dessa árvore é boa?
RAINHA SILVIA - [risos] Sim. No
ano passado, ela me deu seis jabuticabas.
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