São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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Diferença entre salários de analfabeto e de quem fez curso superior pode chegar a 636%; maior escolaridade ajudaria na distribuição de renda

Pesquisadores vinculam analfabetismo e economia

CAROLINA MANDL
DIEGO VIANA
DA EQUIPE DE TRAINEES

Apesar de estar entre as maiores economias do mundo, o Brasil tem ainda 15 milhões de analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos -o que equivale à população do Chile ou três vezes a de Israel.
A alfabetização é um princípio básico da cidadania que o Brasil ainda não conquistou para 13,3% dos seus habitantes. Fora isso, 29,4% da população do país é formada por analfabetos funcionais -pessoas que não completaram os quatro primeiros anos do ensino fundamental.
Além de ser um direito assegurado pela Constituição, a alfabetização dos brasileiros, bem como a sua educação regular, seria crucial para que o país implementasse o crescimento econômico e melhorasse o seu índice Gini, que contabiliza a desigualdade social, um dos piores do mundo (o Brasil ocupa o 79º lugar entre os países).
É o que defende um número cada vez maior de economistas e analistas sociais brasileiros que, sem desconsiderar o fator humanístico ou político da alfabetização e da educação, têm concentrado suas análises no impacto negativo causado à economia do país pela má formação educacional do brasileiro.
Essa abordagem se baseia na teoria do capital humano, formalizada em 1962 pelo economista norte-americano Theodore Schultz (1902-1998). Para ele, o aumento da escolaridade seria essencial para a redução das desigualdades sociais.
No Brasil, a tese começou a se difundir com mais força a partir da década de 70. Para explicar por que a média de rendimentos dos trabalhadores brasileiros é de 3,9 salários mínimos, muitos economistas utilizam hoje os números educacionais, ou seja, a média de 5,6 anos de estudo do brasileiro -menos do que o ensino fundamental completo.
Dados do IBGE mostram que, nas regiões brasileiras com maior analfabetismo, os salários são mais baixos. No Nordeste, onde a alfabetização é a menor do país (72,5%), o rendimento médio é de apenas 2,4 salários. Já no Sudeste, ao mesmo tempo em que a taxa de pessoas alfabetizadas é de 91,9%, a remuneração cresce para 4,7 salários.
Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), onde atuam alguns dos principais defensores da tese, indicam que 40% da desigualdade no país resulta da diferença de nível educacional.
Segundo um estudo feito pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica), cada ano de estudo pode incrementar o salário em 11,25% ao ano. De acordo com esse dado, a diferença entre os salários de um analfabeto e de uma pessoa que fez um curso superior pode chegar a 636%.
"A educação parece ser o fator mais importante na produção de desigualdade de renda", afirma Reynaldo Fernandes, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) de Ribeirão Preto, autor do estudo "Grau de Cobertura e Resultados Econômicos do Ensino Supletivo no Brasil".
Para muitos economistas, além de aumentar os salários e diminuir a desigualdade de renda, a educação pode gerar desenvolvimento econômico.
"Uma maior desigualdade age como um freio no desenvolvimento porque produz uma mão-de-obra menos produtiva", diz o professor Francisco Ferreira, da PUC-RJ, que está preparando o estudo "Por Que o Brasil é um País tão Desigual?".
Outros pesquisadores e economistas, no entanto, contestam a eficácia da educação no desenvolvimento. Eles afirmam que a educação sozinha não seria capaz de gerar transformações tão radicais no núcleo socioeconômico brasileiro (veja reportagem abaixo).
Para eles, sem alterar antes os fatores que levam o Brasil a ter o índice de Gini de 0,567 não é possível o país se desenvolver. O número varia de 0 a 1 (onde 0 indica distribuição de renda perfeita).
Na opinião de Ricardo Paes de Barros, diretor de estudos sociais do Ipea, o impacto da diminuição do analfabetismo e da consequente maior igualdade seria sentido até no PIB (Produto Interno Bruto), com um incremento de 2% (leia entrevista na pág. ao lado).
Para ele, é importante aliar o acesso à educação a uma desconcentração de renda. Mas o economista afirma que, para o desenvolvimento econômico, é mais importante investir em educação.
"Se eu tiver uma força de trabalho supereducada, vou mostrar que tenho gente que sabe trabalhar, e outros vão investir aqui", afirma Paes de Barros.



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