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Fiéis de igreja evangélica doam bens e constroem condomínio
Adeptos da Tabernáculo Vitória erguem comunidade em forma de águia com 250 chalés
Famílias deixaram cidades
capixabas e mineiras rumo a
Ecoporanga (ES); elas crêem
no retorno de Cristo e que o
fim dos tempos está próximo
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ECOPORANGA (ES)
À margem de uma estrada no
norte do Espírito Santo, um
condomínio em construção no
meio do nada chama a atenção
dos moradores de Ecoporanga
(328 km de Vitória). Os lotes,
porém, não estão à venda. Para
viver ali, é preciso pagar outro
preço: vender bens, deixar parentes, construir a própria casa
e, sobretudo, acreditar que o
fim dos tempos está próximo.
São as condições impostas
pela evangélica Igreja Tabernáculo Vitória, fundada em 1985,
que acredita no retorno de
Cristo, anunciado por fenômenos como terremotos e o aquecimento global.
Das 163 famílias de fiéis da
igreja, 160 deixaram cidades capixabas e mineiras rumo a Ecoporanga. Enquanto o condomínio Recanto das Águias não fica
pronto, levam a vida em alojamentos precários, de madeira
compensada, com separação
entre homens e mulheres.
O líder do grupo é o pastor
Inereu Lopes, 57, que justifica a
obra pelo fim da "desigualdade
entre os fiéis" e como modo de
"fugir da violência de Vitória".
Mas nem todos pensam como ele. Um "ex-fiel" tenta reaver na Justiça a guarda das filhas, que foram com a mãe para Ecoporanga.
A Folha visitou as obras na
terça-feira. No terreno de 850
mil m2 (ou 120 campos de futebol), doado por uma família de
fiéis, encontrou Idmílson Martins, 25, ao lado de um trator.
Usando um boné com a frase
"Cristo literalmente conosco",
ele levou a reportagem ao administrador da igreja, Israel
Martins, 27. O ex-analista de
pesquisas autorizou a entrada,
mas só após duas horas de explicações sobre o condomínio.
O futuro lar dos fiéis da Tabernáculo Vitória é cercado
por um muro que, com o alicerce, atinge 22 metros de altura.
O local terá 250 chalés de 58 m2
cada, divididos em sete blocos
com nomes religiosos e que devem abrigar 582 pessoas.
A obra prevê ainda um refeitório conjunto. Pelo projeto,
em formato de cabeça de águia,
a casa do pastor ficará no bico
da ave, afastada das outras e ao
lado do templo da igreja.
Pastor
Falar com o líder da igreja
não é fácil. Somente quando a
reportagem ia embora, Lopes
apareceu. Com frases pontuadas, diz que o objetivo do condomínio é reviver a "igreja primitiva", que rejeita a acumulação de capital. Conta que, no
culto em que se definiu a venda
dos bens e a vida em comunidade, houve destruição de cartões
de crédito e cheques.
Quase 20 anos após o fim do
Muro de Berlim, ele quer reviver os ideais do comunismo.
"Mas o comunismo é política, e
na política há corrupção. Aqui
não haverá corrupção. As famílias são fiscais de tudo o que é
feito e questionam os custos."
Para todos
A vida em comunidade custou aos fiéis o abandono de empregos e parentes. Tudo o que
fazem, dizem, é para todos.
Também não há salários.
Os primeiros a chegar ao canteiro de obras, em agosto, foram os homens. Oriundos de
Minas ou do Espírito Santo,
não precisavam de experiência
em construção civil. Ervino
Kister, 58, por exemplo, diz entender só de jardinagem. Ex-funcionário de uma empresa de
fertilizantes, afirma gostar da
nova rotina, apesar de "parte da
família" ter ficado em Vitória.
A maioria dos homens se
amontoa em beliches num alojamento dentro da construção.
Perto das camas, há violões e
camisas de futebol. Fumo e álcool são proibidos. As mulheres
ficam a seis km dali, em alojamento de compensado cercado
por arame farpado. Eles as visitam apenas aos domingos -sexo só depois do casamento.
Segundo uma mulher da administração e outra da cozinha,
que se identificaram apenas como Natalina e Paula, as refeições têm frutas, legumes e carnes todos os dias. Chocolates
"só de vez em quando".
Quase não se vê dinheiro na
comunidade. À exceção de
quem recebe aposentadoria ou
pensão, ou tem algo guardado,
os fiéis têm que pedir dinheiro
à administração da igreja até
para tomar sorvete.
Depois da conclusão do condomínio, os fiéis planejam
construir um complexo com
posto de combustíveis, pousada e empresas para "gerar renda para as famílias", segundo
Martins. Enquanto isso, todos
vivem com o dinheiro das doações e plantam café e arroz para
venda e sustento próprio. Entre uma e outra enxadada
anunciam: terremotos, como o
que houve na terça-feira, são sinais de que o fim está próximo.
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