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Classe C busca traquejo social em aulas de etiqueta
Curso no Senac de Osasco ensina desde regras de comportamento a manejo de talheres para comer à francesa em jantar formal
"Novos ricos", antes rejeitados pela alta sociedade, agora rejeitam a "nova classe C'
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Num auditório lotado do Senac de Osasco, uma mesa posta
exibe uma taça de vinho tinto,
uma flûte de champanhe, dois
pratos, um fundo e um raso,
duas xícaras, uma grande, outra
pequena, e fileira em que se
contam nove talheres.
A julgar pela curiosidade e
pelo interesse da platéia, ninguém sabe ao certo manejar
aquela variedade de utensílios
montados no palco para comer
à francesa num jantar formal.
Uma hora depois do previsto,
muito além dos 15 minutos de
tolerância permitidos pelo
"fashionable-late", aquele pequeno atraso chique, o motivo
do encontro aparece e dá a primeira lição: "pontualidade é
fundamental, não existe elegância atrasada", diz o consultor de etiqueta Fábio Arruda.
Uma das cerca de cem pessoas ali presentes que querem
dominar as regras de comportamento e aprender um pouco
de traquejo social, a manicure
Sônia Maria Isaltina, 34, nascida numa família pobre de Osasco, na Grande São Paulo, "de
pais que vieram do nada", segundo diz, permeou a pobreza e
chegou à classe C, a porta de entrada para a sociedade de consumo de massa.
Num salão que hoje atende
mulheres de maior poder aquisitivo, ela não sabe como se
portar em certas situações e se
sente um tanto constrangida.
E o que os outros podem ver
de inadequado no comportamento social de Isaltina, ela
agora começa a perceber na
massa de cerca de 20 milhões
de brasileiros que migraram
das camadas sociais mais baixas para a classe C só nos últimos dois anos.
"Andei de avião pela primeira vez no começo do ano. Não
sabia como me comportar nem
com a aeromoça nem com as
dondocas. Por isso que quero
fazer esse curso", afirma. "As
pessoas estão começando a circular em lugares a que não tinham acesso. Acho ótimo que
tenham acesso a privilégios",
diz a consultora Glória Kalil.
A percepção da manicure levanta uma questão de comportamento: qual o efeito colateral
da expansão da baixa renda?
Nessa troca de papéis, os novos ricos, antigas vítimas da rejeição da alta sociedade, passam agora a rejeitar essa "nova
classe C", nomenclatura criada
por eles próprios. Antes que alguém da platéia do Senac veja
certa dose de elitismo, Fábio
Arruda alerta: "etiqueta não é
esnobismo, é respeitar o espaço
do outro". "E em etiqueta tudo
tem uma orientação lógica."
Ele explica, é assim: "Tudo
que entra é pelo lado esquerdo,
tudo que sai, pelo direito. Imagina a confusão que seria se todo mundo sentasse nas cadeiras como quisesse..."
O público dá gargalhadas,
anota tudo em bloquinhos, Arruda gesticula pra cá, as pessoas imitam de lá, e as dicas de
cerimonial seguem.
O foco agora é postura. "Gente, a mulher que pára assim [ele
faz o gesto, de pernas abertas].
Ou veio a cavalo ou está assada.
E no homem, então? Fica aparecendo o repolho."
No palco, Arruda ensina como lidar com a fileira de talheres nas laterais do prato (sempre de fora para dentro), como
segurá-los (suavizando os movimentos, com os cotovelos
junto ao corpo e os punhos elevados) e como não atacar a comida num jantar formal (forrando o estômago antes de sair
de casa). Em dois tempos, todas
as mulheres imitavam.
A empresária Daiany Nagao,
25, diz ter tido dificuldades no
começo do namoro com o marido, Christian Nagao, executivo da Nike, por não saber se
portar em algumas situações e
fez um curso de etiqueta para
aprender as regras de comportamento social. Nas novas rodas que passou a freqüentar,
sentia a rejeição velada dos ricos e grã-finos. Agora, ela aponta os erros dos outros.
"Estava na ponte aérea e vi
um passageiro brigando com a
aeromoça porque queria beber.
Com essas promoções, que cobram R$ 1 e dividem em inúmeras vezes, qualquer um pode
voar", diz Dayane.
Desde Pigmalião, obra-prima
de George Bernard Shaw, que
ensinar etiqueta e boas maneiras sempre desperta interesse
tanto de quem não tem traquejo social quanto de quem tem,
ou acha que tem.
Quem não se lembra de Odete Roitman, a milionária de
Beatriz Segall em "Vale Tudo"
que ensinou à sogra -e por tabela ao Brasil- que servir copo
d'água em bandeja e sobre pires
"é coisa de empregada"?
Rico de novela, aliás, é assunto da palestra no Senac. "É uma
tragédia, é caricato. As pessoas
copiam rico de novela, meu
Deus! Aquilo é cafona no último grau", diz Arruda.
Pobre? Popular? "Nem pensar. São palavras vetadas com
todas as letras da propaganda",
diz um alto publicitário da
agência Young & Rubicam, que
detém a conta das Casas Bahia.
Dinheiro compra verniz? "As
pessoas aplicam, mas é feito em
barco, não dura. Limites continuam existindo. Tem gente que
consegue chegar lá, mas tem de
fazer direito", diz Arruda.
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