São Paulo, segunda, 27 de abril de 1998

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COTIDIANO IMAGINÁRIO
Olhar contábil

MOACYR SCLIAR

"Banco identifica os clientes pelos olhos." Mundo, 25/4/98

Na pequena agência bancária do interior de Minas Gerais, a notícia de que um dispositivo especial estaria identificando clientes pelos olhos provocou muita discussão. Alguns achavam que se tratava de um progresso fantástico. Outros temiam que o invento aumentasse o desemprego entre os bancários. E havia uma outra opinião, a do caixa José Inácio. Ele achava o tal invento desnecessário.
- Sou capaz de identificar qualquer cliente deste banco e não preciso de máquina nenhuma para me ajudar.
Os colegas, que o conheciam como fanfarrão, não acreditavam. Perdeu a paciência:
- Escutem: Essa tal de máquina identifica os clientes pelos olhos não é? Pois eu vou fazer a mesma coisa.
Expôs o seu plano. Anunciaram à clientela que a agência, sempre inovadora, adquiriria uma das famosas máquinas inglesas de identificação pelos olhos, máquina essa que em breve estaria à disposição de todos. De fato, na semana seguinte, lá estava, no saguão, uma caixa de madeira, bastante grande, com uma espécie de visor de vidro iluminado. Para se identificar, o cliente deveria olhar pelo visor. Dentro da caixa, não havia dispositivo nenhum, claro. Ali, ocultava-se o José Inácio. Por um intercomunicador, anunciaria ao gerente o nome das pessoas.
Nos três primeiros dias, o seu percentual de acertos foi 100%. Não apenas identificava os clientes como transmitia ao gerente uma rápida avaliação: "Esse é caloteiro. Não dê crédito a ele". Ou: "Esse é bom pagador. Pode fazer empréstimo". Não errava nunca, e seu prestígio estava nas alturas. Mas, aí, aconteceu.
Na manhã do quarto dia, surgiu no retângulo de vidro iluminado o mais belo par de olhos que José Inácio já tinha visto. Tão lindos eram aqueles olhos que ele não hesitou em transmitir a sua incondicional aprovação: "Empreste o que ela quiser, senhor gerente".
Estava errado, obviamente. Tratava-se da conhecida vigarista Maria Teresa, famosa em outras cidades pelos golpes que aplicava. O deboche foi tão grande que José Inácio, humilhado, pediu demissão.
Mas aqueles olhos mudaram sua vida. Hoje, vive com a bela Maria Teresa. Ajuda-a na sua carreira de estelionatária. A experiência que teve no banco ajuda muito. Afinal, como a máquina britânica, é capaz de identificar as pessoas só pelos olhos.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal



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