São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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Movimento na USP reúne estudantes com perfis opostos

Alunos da classe alta e da periferia, atuantes de centros acadêmicos e não-engajados fazem parte da manifestação

Grupo se nega a indicar lideranças do protesto e resolve tudo na base das assembléias; invasão da reitoria ocorreu no dia 3

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Filhos da classe alta ao lado de filhos da periferia. Jovens tipicamente paulistanos ao lado de migrantes nordestinos. Alunos do sucateado curso de história ao lado de alunos do rico curso de economia. Atuantes de centros acadêmicos ao lado de curiosos que só agora sabem o que significa autonomia universitária. Estão todos lá.
O movimento que desde o dia 3 invadiu a reitoria da USP agrega perfis tão diferentes quanto o de Adriana de Cássia Moreira, 24, negra, que saiu de Guarulhos (Grande São Paulo) para morar no Crusp (a moradia para estudantes da USP) e Diogo Campanhã, 21, branco, que mora com os pais em um bairro de classe média alta na zona oeste da capital.
A Folha conversou com quatro estudantes que, de alguma forma, têm participação ativa no movimento. Nenhum dos entrevistados é líder, porque o grupo se nega a indicar lideranças e resolve tudo na base das assembléias. Muitos participam de comissões; outros se incumbem de disseminar os propósitos do movimento em cursos alheios à manifestação.
É o caso de Adriana, que ajuda a explicar o que está acontecendo para alunos que não vão até a reitoria. Já Diogo faz parte das comissões de negociação e de comunicação. Há mais de duas semanas, ele passa as noites na reitoria. Adriana não dorme lá. "Não me envolvo mais porque tenho medo de represálias. Quero ser professora universitária", diz.
Em dias normais, ela se dedica ao mestrado de estudos comparados de literatura e língua portuguesa. Formada em português/lingüística, está desempregada e não conseguiu bolsa de mestrado. Para pagar as contas, corrige textos alheios. Diogo vai para o curso de administração pública que há dois anos freqüenta na Fundação Getúlio Vargas. De lá, segue para o curso de história, que faz na USP há quatro anos.
Ambos são da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), não participam de centros acadêmicos nem são filiados a partidos políticos. Também não namoram.
As coincidências param por aí. Ele é filho de mãe bioquímica que trabalha como professora em faculdade particular, e de pai engenheiro, que atua como administrador. Tem um irmão. Ela é filha única de pai professor da rede municipal de Guarulhos e de mãe aposentada que fez apenas ensino médio.
Diogo estudou em colégios tradicionais de São Paulo: Rio Branco e Palmares. Adriana freqüentou escola pública e só no ensino médio foi para uma particular porque conseguiu bolsa. Ele não fez cursinho. Ela passou um ano no cursinho.
Ele, já sabendo da luta estudantil, aderiu no primeiro dia. Em sua visão, não há nada de errado ao descumprir a decisão de reintegração de posse da reitoria. "É um direito da população pedir mudanças e ocupar um espaço público."
Ela, que é do grupo OcupAção Afirmativa (que luta por melhores condições de acesso e permanência para alunos carentes), diz que não tinha entendido bem o movimento. "Fui me informar e vi a necessidade de participar." Para Adriana, o ponto principal das reivindicações é a construção de moradias e a flexibilização do acesso para pobres e negros. Para Diogo, é a contratação de docentes e a melhora na estrutura e na qualidade do ensino.
Se divergem neste ponto, estão convencidos de que a mobilização é necessária para pressionar o governo e a reitoria. Têm, ainda, outra certeza em comum: a de que sua mães estão apreensivas. "Minha mãe está em pânico. Ela tem medo da polícia", diz Diogo. "Minha mãe tem medo da polícia porque não temos com pagar advogado", finaliza Adriana.


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